Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 06, 2008

Alberto Tamer EUA perdem o primeiro round

Na luta corpo a corpo contra a recessão, os EUA perderam mais um round: o desemprego aumentou em março e passou de 4,8% da força de trabalho para 5,1%. O pior resultado em cinco anos. O governo já admite que a economia pode entrar em recessão, embora acredite em recuperação no segundo semestre. A luta contra ela se concentra em duas áreas.

Na primeira, está o Fed, banco central americano, que deve reduzir de novo a taxa de juros na reunião deste mês, ao mesmo tempo que apertou a fiscalização nos bancos para prevenir casos como o do Bear Stearns.

É evidente que Bernanke, o presidente do Fed, reconheceu seu atraso em agir para evitar uma crise sistêmica, mas agora vai ser rigoroso, com fiscalizações permanentes e individuais. Tudo permanece imprevisível até que se tenha uma avaliação dos prejuízos que afetaram diretamente o crédito.

VEM AÍ MAIS SOCORRO

Na segunda frente de luta está o governo, com o Tesouro. Já houve uma oferta de dinheiro ao consumidor de 5% do PIB, mas seu efeito começará a ser sentido só a partir de maio, quando cheques de US$ 600 a US$ 1.100 chegarão às mãos dos americanos para que gastem tudo e ajudem a economia. Isso, porém, não será suficiente para reanimar o consumidor assustado. O que se comenta, em Nova York, é um novo pacote de ajuda aos mutuários faltosos e aos consumidores relutantes. Os pronunciamentos de Bush e Bernanke, na semana passada, confirmam que algo mais vigoroso está por acontecer.

BOLSAS, MUITO BEM, OBRIGADO

As bolsas continuam reagindo bem. Fecharam em alta na semana passada. A vigilância, física agora nos bancos, pode evitar novos choques, mas falta ainda a divulgação de balanços de bancos importantes.

Tudo indica que teremos mais um trimestre difícil, com estagnação econômica nos EUA, desaceleração nos demais países, embora não se acredite que a situação possa piorar antes de melhorar. Para a maioria dos analistas - e entre eles está o próprio Bernanke - , se o fundo do poço não chegou, está muito próximo.

QUE 1929 NADA

A coluna insiste: não estamos à beira de uma catástrofe como a de 1929; o sistema financeiro está mais bem preparado, a economia mundial está mais diversificada e vem de um crescimento de seis anos. Comparar hoje com 1929 é no mínimo má-fé ou estrelismo. Em 1929, o desemprego americano chegou a 15%, o PIB despencou 8%, 9%, a fome grassou e o governo americano não socorreu em tempo o sistema financeiro. Hoje é tudo o oposto: os bancos centrais americano e europeu estão injetando centenas de bilhões de dólares no sistema e o desemprego nos EUA está em 5,1%.

BRASIL E AS COMMODITIES

No Brasil, a explosão do consumo interno e o desaquecimento do mercado mundial já nos levam a um problema de desequilíbrio nas contas externas. Nossas exportações recuam, enquanto as importações crescem em louco espiral. Nossa balança comercial mais e mais depende das commodities agrícolas, num mercado externo duvidoso. E, se vier uma drástica desaceleração da economia mundial, como ficamos?

O ex-secretário da Produção e Comercialização do Ministério da Agricultura, com uma excelente e corajosa folha de serviço em Brasília, Pedro de Camargo Neto, doutor pelo MIT, não está pessimista. "Uma recessão internacional certamente terá influência sobre tudo, inclusive nos preços agrícolas. Ainda é pouco conhecida a relação entre a desaceleração americana e o desempenho da China, motor do crescimento mundial. "Até quanto a redução nos EUA reduzirá também o crescimento na China, seu grande parceiro comercial?", pergunta ele. Para Pedro Camargo, para nós não é importante só o crescimento da China, mas o de outros países em desenvolvimento também. Ele cita a Rússia e o Egito. Além disso, "há hoje outros fatores influenciando os preços: a urbanização está impulsionando o consumo e o aumento do petróleo está afetando os preços dos fertilizantes agrícolas, e, neste momento, o movimento especulativo nas bolsas de commodities, cujas posições, hoje, têm forte participação de fundos de hedge, sob pressão da atual crise financeira; para mim, o resultado disso é ainda incerto".

NÃO É SÓ A CHINA?

"Ela é grande importadora de soja brasileira, mas insignificante em carnes e açúcar, dois outros grandes produtos da nossa pauta. Para estes, é mais importante o que acontecerá na Rússia, no Egito e mesmo na Índia; tudo ainda é incerto." Pedro Camargo lembra que recessão em país desenvolvido afeta menos o consumo de alimentos do que nos em desenvolvimento. Nesse sentido, ele apresenta a seguinte relação dos nossos importadores agrícolas: soja depende da China; carne bovina, do Egito e da Rússia; frango, do Japão e da UE; carne suína, da Rússia e da Ásia; açúcar, da Rússia. É preciso estar atento ao crescimento desses países e regiões.

E o etanol com a barreira americana? Podemos esperar alguma coisa? Para Pedro Camargo, está claro que o etanol de milho não atenderá às metas de consumo fixadas por Bush. Ele é caro e vem desalojando cada vez mais outras culturas alimentares, onerando-as. "Há o etanol de celulose. De segunda geração, mas isso ainda vai demandar anos. Não sei responder, neste momento, o que eles vão fazer, mas uma cota para o etanol brasileiro seria bem-vinda."

Mas e o preço mais alto que eles estão pagando, não vai ajudar o etanol brasileiro? "Para os americanos, mesmo com o aumento no preço, os alimentos continuam baratos, porque a população é rica. Temos, por outro lado, o Japão, que analisa lentamente o etanol; suas tradings estão por aqui e isso é uma indicação positiva, e a UE, que parece estar entrando num processo de reflexão sobre o uso do etanol como oxigenante para o combustível." E conclui: "Felizmente, o etanol abriu um leque de oportunidades que não pode ser ignorado. Além de álcool, a cana produz bagaço para geração de energia e, importante, é excelente fonte de celulose para o etanol de segunda geração". Conclusão: não temos muito a temer com a perda de mercado e de preços das commodities agrícolas; mesmo que a demanda se retraia, a competitividade brasileira nos garantirá espaço, e o mercado internacional de alimentos, fibras e energia não é mais o mesmo de poucos anos atrás. O Brasil conquistou liderança inconteste.

*E-mail: at@attglobal.net

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