Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 17, 2008

Estatização na Venezuela


editorial
O Estado de S. Paulo
17/4/2008

Na semana passada, o caudilho Hugo Chávez estatizou dois importantes setores da economia venezuelana. Primeiro, foram as empresas produtoras de cimento. Depois, a principal empresa siderúrgica do país, a Sidor, responsável por 85% da produção local de aço. De quebra, desapropriou 32 fazendas de cana-de-açúcar no Estado de Lara. Eram terras produtivas, que foram praticamente confiscadas para serem redistribuídas dentro do peculiar programa de reforma agrária de Chávez, que freqüentemente presenteia parentes, amigos e apaniguados com 'unidades de produção socialista'.

A desapropriação de terras agricultáveis foi a primeira etapa do projeto 'bolivariano' de estatização dos meios de produção. Segundo a retórica oficial, o governo está empenhado em 'recuperar a propriedade social dos meios estratégicos de produção'. Na prática, as estatizações são feitas de acordo com as conveniências imediatas do governo, geralmente para desviar a atenção do público para problemas que Chávez não consegue solucionar, como a elevada inflação (22,5%, no ano passado, e 7,1%, neste primeiro trimestre), a perda do poder aquisitivo dos trabalhadores e a escassez de produtos de primeira necessidade.

No ano passado, por exemplo, foram desapropriadas a CanTV e a Eletricidade de Caracas, as principais empresas de telefonia e de geração elétrica do país, mas os apagões elétricos e as falhas de comunicação não acabaram com a transferência do controle acionário dessas empresas para o Estado. Elas não recebiam investimentos antes, para melhorar seus serviços, e continuaram não recebendo investimentos depois.

Quando houve escassez de leite, Chávez atribuiu a falta a uma conspiração capitalista e desapropriou o maior laticínio do país. Fez o mesmo com frigoríficos. Os produtos lácteos e a carne continuam faltando nos supermercados. Chávez também transformou a petrolífera estatal PDVSA numa holding que controla dezenas de empresas das mais variadas atividades - desde o comércio atacadista de secos e molhados até a construção de moradias -, nem por isso a escassez desses produtos foi amenizada.

Chávez também nacionalizou os empreendimentos petrolíferos na Faixa do Orenoco. Mas a produção total de petróleo da Venezuela continua estagnada, depois de ter sofrido uma substancial redução, porque as instalações em funcionamento não recebem manutenção adequada e Chávez demitiu mais de 10 mil funcionários qualificados da PDVSA, depois da greve de 2002, colocando-os numa lista negra. Como o setor está em franca expansão, a maioria dos demitidos encontrou emprego no exterior e a PDVSA ficou sem recursos humanos treinados.

Na semana passada, o caudilho estatizou três fábricas de cimento, de propriedade de empresas do México, da França e da Suíça, que respondem por 92% da produção do país. Argumentou que faltava cimento na praça porque essas empresas não apenas preferiam exportar o produto a vendê-lo no mercado local, como estavam montando um cartel para elevar preços. As estatísticas do próprio governo, no entanto, mostram que em 2007 foram exportados apenas 5% da produção e, nos primeiros quatro meses deste ano, não houve exportação. Além disso, os preços do produto são tabelados.

Depois do cimento, foi a vez do aço. No ano passado, Hugo Chávez iniciou o processo de desapropriação da Sidor. Adiou seus planos porque o então presidente Néstor Kirchner intercedeu em favor da empresa, controlada por capitais argentinos. A brasileira Usiminas detém cerca de 9% do capital da empresa. Mas agora, a despeito dos protestos de Cristina Kirchner e das associações empresariais argentinas - o Brasil não se manifestou -, concluiu o processo de estatização da Sidor.

Desta vez, o pretexto para a nacionalização não foi a escassez de aço no mercado doméstico. No seu programa de rádio, Chávez deixou claro que a desapropriação era uma punição aplicada a uma empresa que não atendia às reivindicações salariais de seus empregados.

A truculência estatizante de Chávez deixa cada vez mais evidente que seu 'socialismo do século 21' torna a Venezuela incompatível com o projeto de integração regional do Mercosul.

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