Da safra atual de governadores vêm os melhores
sinais de que há um jeito de administrar a máquina
pública, com profissionalismo e menos politicagem
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Lucila Soares
Montagem sobre fotos Oscar Cabral/Lailson Santos/Ana Araujo e Leo Caldas-Titular![]() |
| Paulo Hartung, Aécio Neves, Sérgio Cabral, José Serra, José Roberto Arruda e Eduardo Campos: contas em ordem e bons índices de popularidade |
Gestão é o "ato de gerir; gerência, administração", segundo o Aurélio. Simples? No mundo das empresas, sim. Ali, gestão é a soma dos processos que garantem a sobrevivência e a lucratividade e estabelecem os requisitos mínimos para o crescimento. Na vida pública brasileira, esse conceito esteve ausente durante quase toda a história do país. O que se vai ler aqui é a história de seis governadores que decidiram mudar isso e gerir seus estados com racionalidade e objetivos claros, criando no processo as bases do Brasil do futuro.
Esta reportagem não trata de feitos tradicionalmente alardeados pelos políticos. Seus protagonistas demitiram funcionários, interromperam obras, acabaram com regimes especiais de impostos que beneficiavam determinadas empresas ou puseram abaixo casas construídas irregularmente. Aécio Neves, de Minas Gerais, Eduardo Campos, de Pernambuco, José Serra, de São Paulo, José Roberto Arruda, do Distrito Federal, Paulo Hartung, do Espírito Santo, e Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, pertencem a quatro partidos diferentes e têm trajetórias políticas distintas. São donos de estilos pessoais até antagônicos, mas concordam em que sem gestão não há governo.
Nos últimos vinte anos, organismos como a OCDE, o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) passaram a ter na gestão pública um parâmetro decisivo – inclusive para a concessão de créditos. A OCDE batizou a profissionalização da gestão como a "revolução silenciosa" do fim do século XX. VEJA contou com a ajuda da Macroplan, consultoria especializada em gestão orientada para resultados que tem em sua carteira de clientes grandes empresas, como Petrobras, além de governos municipais, estaduais e órgãos da administração federal. Utilizou-se também de experiências levadas à frente pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Gerencial (INDG), pioneiro na implantação do ferramental gerencial privado na administração pública, e pelo Movimento Brasil Competitivo, criado em 2001 para assessorar empresas públicas e privadas, além de governos, na melhoria de sua eficiência. A escalação do time de governadores levou em conta o desempenho positivo deles nos seguintes itens:
• A perseguição implacável do equilíbrio das contas, com utilização de ferramentas de redução de custos e aumento de receita.
• A adoção de práticas voltadas para a qualidade do serviço, como o estabelecimento de sistemas de avaliação de desempenho, com metas e cobrança de resultados.
• A profissionalização de postos-chave, como Fazenda, Saúde, Educação e Segurança.
• A racionalização da atuação do estado, com valorização de parcerias com a iniciativa privada para atrair investimentos.
• O estabelecimento de agendas de prioridades, com planejamento estratégico.
A escolha da gestão como critério permite a comparação de administrações de duração diferente e que receberam heranças distintas. Se o foco se voltasse apenas para realizações, seria injusto comparar os governadores eleitos em 2006 com Aécio Neves e Paulo Hartung, ambos em segundo mandato. O critério também respeita o quadro que cada um encontrou. É, evidentemente, diferente a situação de quem herdou grandes déficits, sistemas de arrecadação falidos, poder público desacreditado, tradição clientelista arraigada – como Aécio, Hartung, Cabral e Arruda – daquela encontrada por Serra e Campos, com grandes problemas e desafios, porém com contas já ajustadas pelas boas gestões precedentes.
Essa opção explica por que ficaram de fora desta reportagem governadores com bons trabalhos a mostrar em determinadas áreas. Caso de Eduardo Braga (PMDB), do Amazonas, que brilha na área ambiental, mas inchou a máquina pública nos últimos cinco anos. Yeda Crusius (PSDB), no Rio Grande do Sul, e Marcelo Déda (PT), em Sergipe, herdaram contas caóticas e estão próximos do equilíbrio, mas ainda não têm avanços de monta a registrar nos outros itens. A escolha não quer dizer, portanto (e felizmente), que esses governadores sejam os únicos a se preocupar com a boa gestão. Também não significa que tenham trocado os bastidores da política pelas planilhas numéricas. Mostra disso é que, no panorama das duas próximas eleições presidenciais, os seis aparecem como potenciais candidatos a cabeça de chapa ou a vice.
Tampouco quer dizer que são administradores perfeitos. Alguns não conseguiram ainda a descontaminação total da velha maneira de fazer política. Mas estão no rumo certo, com os diagnósticos corretos e as ferramentas adequadas para deixar um legado positivo duradouro a despeito de erros do passado. Arruda renunciou ao mandato em 2001, para não ser cassado pela violação do painel de votação do Senado. Campos, quando era secretário da Fazenda de Miguel Arraes, envolveu-se no escândalo dos precatórios. Sérgio Cabral foi aliado do casal Garotinho, responsável por dois governos desastrosos no Rio de Janeiro. Levando-se todo esse conjunto em conta, esses governadores formam, no momento, o grupo que melhor representa uma mudança auspiciosa na maneira de gerir a máquina pública.
São mudanças que envolvem itens da mais absoluta racionalidade, já utilizados há muitos anos nas empresas privadas: controle de gastos, estabelecimento de metas, meritocracia, cobrança de resultados. Os efeitos mais concretos se verificam na atração de investimentos: contas equilibradas são um poderoso argumento tanto para o capital privado quanto para os organismos internacionais de fomento. Os dividendos se traduzem nas urnas, como demonstra o desempenho de dois desses governadores. Aécio Neves, de Minas Gerais, e Paulo Hartung, do Espírito Santo, foram reeleitos em 2006 com as duas maiores votações proporcionais do Brasil. E, em pesquisa realizada em março, Hartung apareceu como o governador com o maior índice de aprovação. Diz Claudio Porto, diretor da Macroplan: "A gestão orientada para resultados dá voto; é essa a lição que esses dois governadores passam".
Porto lembra que nos países desenvolvidos a profissionalização da gestão pública teve início na primeira metade do século XX. Aqui, o processo andou bem mais devagar. O primeiro movimento de modernização do estado foi feito nos anos 30, com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). Na esteira da quebra do poder das oligarquias promovida pela Revolução de 30, o Dasp teve o papel de organizar a burocracia estatal. Nos anos 50, o governo de Juscelino Kubitschek fez a primeira administração pública empreendedora, com o Plano de Metas tendo papel inovador. Mas sua total despreocupação com o equilíbrio das contas acabou se tornando o embrião do descontrole inflacionário no início da década seguinte. Sob os militares, o planejamento centralizado levou ao reforço da idéia de estado desenvolvimentista. O milagre brasileiro dos anos 70 foi engendrado e tocado por uma poderosa burocracia estatal. Os anos 80 se perderam na crise inflacionária. Só a partir de 1994, com o Plano Real, a estabilização da economia permitiu que as atenções começassem a se voltar para a administração pública e a necessidade da reforma do estado – preocupação que ganhou status ministerial sob o comando do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira.
Para Paulo Roberto Motta, da Fundação Getulio Vargas, o país está passando por um momento de transformação na relação entre o estado e o cidadão, em um processo que começou com as empresas. "A iniciativa privada estabeleceu o cliente como foco e criou no cidadão a expectativa de ser tratado assim pelos governos", diz. Não é um processo imune a percalços. A administração pública ainda é refém de um sistema político com características tradicionais. "O estado, fragilmente alicerçado na sociedade, impõe à administração práticas pré-modernas, quase feudais, como o loteamento político, o elitismo e o patrimonialismo", diz Motta.
Os obstáculos não são poucos. A máquina pública é, de fato, comandada por leis retrógradas, que precisam ser mudadas no âmbito da retomada da discussão da reforma do estado. Em pesquisa realizada pela Macroplan no fim de 2007, os secretários de Administração de nove estados apontaram os baixos níveis de profissionalização do servidor público, a má qualidade da gestão e a burocracia excessiva como os principais gargalos da administração pública brasileira. Mas, sem dúvida, os governos estaduais são palcos privilegiados desse processo. O economista José Roberto Afonso diz que o esforço fiscal de estados e municípios é superior ao da União e começa a ser reconhecido até internacionalmente. "Eles já não são sinônimo de endividamento e calote", diz. Álvaro Guzella, do INDG, atribui essa mudança à exigência de equilíbrio das contas, a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal. "Para atender à exigência de contas equilibradas, há dois caminhos: reduzir gastos e aumentar a arrecadação. O problema é que não se pode cortar além de determinado limite nem aumentar a tributação ad infinitum. O caminho foi melhorar a eficiência, ou seja, oferecer mais com menos recursos", diz. Os números do instituto confirmam. Em 2005, o setor público respondia por 14% dos clientes do INDG. No ano passado, essa fatia já era de 33%, sendo a esmagadora maioria (84%) da demanda gerada pelos governos estaduais. Imagine o salto que o país dará quando o conceito de gestão chegar a Brasília!
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Com reportagem de José Edward,
Ronaldo Soares e Victor De Martino


Quando assumiu pela primeira vez a prefeitura de Vitória, em 1993, Paulo Hartung viu aliados de longa data se tornarem seus adversários. Motivo: implantou um programa de qualidade total no governo municipal, o que foi considerado traição a seu passado de esquerda (no início de sua vida política, militou no PCB). Aos 50 anos, Hartung é campeão de votos. Foi deputado estadual e federal e elegeu-se senador com a maior votação já registrada no Espírito Santo. Apesar disso, não lembra em nada um político tradicional. Fala baixo, não gosta de palanque – ganhou a eleição para o governo estadual em 2002 sem fazer um único discurso – e sempre se cercou de uma equipe escolhida por critérios mais técnicos do que políticos. À frente do governo estadual, enfrentou com sucesso uma herança dificílima. Os três antecessores (Albuíno Azeredo, Vitor Buaiz e José Ignácio Ferreira) haviam destroçado a máquina pública estadual. Foi reeleito em 2006 com 77,27% dos votos, a maior votação proporcional do país. No início de março, uma pesquisa do Ibope apontou-o como o governador com maior índice de aprovação em todo o Brasil.








