Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 05, 2008

Estados As boas surpresas da atual safra de governadores

Seis homens, um destino

Da safra atual de governadores vêm os melhores
sinais de que há um jeito de administrar a máquina
pública, com profissionalismo e menos politicagem


Lucila Soares

Montagem sobre fotos Oscar Cabral/Lailson Santos/Ana Araujo e Leo Caldas-Titular
Paulo Hartung, Aécio Neves, Sérgio Cabral, José Serra, José Roberto Arruda e Eduardo Campos: contas em ordem e bons índices de popularidade

Gestão é o "ato de gerir; gerência, administração", segundo o Aurélio. Simples? No mundo das empresas, sim. Ali, gestão é a soma dos processos que garantem a sobrevivência e a lucratividade e estabelecem os requisitos mínimos para o crescimento. Na vida pública brasileira, esse conceito esteve ausente durante quase toda a história do país. O que se vai ler aqui é a história de seis governadores que decidiram mudar isso e gerir seus estados com racionalidade e objetivos claros, criando no processo as bases do Brasil do futuro.

Esta reportagem não trata de feitos tradicionalmente alardeados pelos políticos. Seus protagonistas demitiram funcionários, interromperam obras, acabaram com regimes especiais de impostos que beneficiavam determinadas empresas ou puseram abaixo casas construídas irregularmente. Aécio Neves, de Minas Gerais, Eduardo Campos, de Pernambuco, José Serra, de São Paulo, José Roberto Arruda, do Distrito Federal, Paulo Hartung, do Espírito Santo, e Sérgio Cabral, do Rio de Janeiro, pertencem a quatro partidos diferentes e têm trajetórias políticas distintas. São donos de estilos pessoais até antagônicos, mas concordam em que sem gestão não há governo.

Nos últimos vinte anos, organismos como a OCDE, o Banco Mundial (Bird) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) passaram a ter na gestão pública um parâmetro decisivo – inclusive para a concessão de créditos. A OCDE batizou a profissionalização da gestão como a "revolução silenciosa" do fim do século XX. VEJA contou com a ajuda da Macroplan, consultoria especializada em gestão orientada para resultados que tem em sua carteira de clientes grandes empresas, como Petrobras, além de governos municipais, estaduais e órgãos da administração federal. Utilizou-se também de experiências levadas à frente pelo Instituto Nacional de Desenvolvimento Gerencial (INDG), pioneiro na implantação do ferramental gerencial privado na administração pública, e pelo Movimento Brasil Competitivo, criado em 2001 para assessorar empresas públicas e privadas, além de governos, na melhoria de sua eficiência. A escalação do time de governadores levou em conta o desempenho positivo deles nos seguintes itens:

• A perseguição implacável do equilíbrio das contas, com utilização de ferramentas de redução de custos e aumento de receita.

• A adoção de práticas voltadas para a qualidade do serviço, como o estabelecimento de sistemas de avaliação de desempenho, com metas e cobrança de resultados.

• A profissionalização de postos-chave, como Fazenda, Saúde, Educação e Segurança.

• A racionalização da atuação do estado, com valorização de parcerias com a iniciativa privada para atrair investimentos.

• O estabelecimento de agendas de prioridades, com planejamento estratégico.

A escolha da gestão como critério permite a comparação de administrações de duração diferente e que receberam heranças distintas. Se o foco se voltasse apenas para realizações, seria injusto comparar os governadores eleitos em 2006 com Aécio Neves e Paulo Hartung, ambos em segundo mandato. O critério também respeita o quadro que cada um encontrou. É, evidentemente, diferente a situação de quem herdou grandes déficits, sistemas de arrecadação falidos, poder público desacreditado, tradição clientelista arraigada – como Aécio, Hartung, Cabral e Arruda – daquela encontrada por Serra e Campos, com grandes problemas e desafios, porém com contas já ajustadas pelas boas gestões precedentes.

Essa opção explica por que ficaram de fora desta reportagem governadores com bons trabalhos a mostrar em determinadas áreas. Caso de Eduardo Braga (PMDB), do Amazonas, que brilha na área ambiental, mas inchou a máquina pública nos últimos cinco anos. Yeda Crusius (PSDB), no Rio Grande do Sul, e Marcelo Déda (PT), em Sergipe, herdaram contas caóticas e estão próximos do equilíbrio, mas ainda não têm avanços de monta a registrar nos outros itens. A escolha não quer dizer, portanto (e felizmente), que esses governadores sejam os únicos a se preocupar com a boa gestão. Também não significa que tenham trocado os bastidores da política pelas planilhas numéricas. Mostra disso é que, no panorama das duas próximas eleições presidenciais, os seis aparecem como potenciais candidatos a cabeça de chapa ou a vice.

Tampouco quer dizer que são administradores perfeitos. Alguns não conseguiram ainda a descontaminação total da velha maneira de fazer política. Mas estão no rumo certo, com os diagnósticos corretos e as ferramentas adequadas para deixar um legado positivo duradouro a despeito de erros do passado. Arruda renunciou ao mandato em 2001, para não ser cassado pela violação do painel de votação do Senado. Campos, quando era secretário da Fazenda de Miguel Arraes, envolveu-se no escândalo dos precatórios. Sérgio Cabral foi aliado do casal Garotinho, responsável por dois governos desastrosos no Rio de Janeiro. Levando-se todo esse conjunto em conta, esses governadores formam, no momento, o grupo que melhor representa uma mudança auspiciosa na maneira de gerir a máquina pública.

São mudanças que envolvem itens da mais absoluta racionalidade, já utilizados há muitos anos nas empresas privadas: controle de gastos, estabelecimento de metas, meritocracia, cobrança de resultados. Os efeitos mais concretos se verificam na atração de investimentos: contas equilibradas são um poderoso argumento tanto para o capital privado quanto para os organismos internacionais de fomento. Os dividendos se traduzem nas urnas, como demonstra o desempenho de dois desses governadores. Aécio Neves, de Minas Gerais, e Paulo Hartung, do Espírito Santo, foram reeleitos em 2006 com as duas maiores votações proporcionais do Brasil. E, em pesquisa realizada em março, Hartung apareceu como o governador com o maior índice de aprovação. Diz Claudio Porto, diretor da Macroplan: "A gestão orientada para resultados dá voto; é essa a lição que esses dois governadores passam".

Porto lembra que nos países desenvolvidos a profissionalização da gestão pública teve início na primeira metade do século XX. Aqui, o processo andou bem mais devagar. O primeiro movimento de modernização do estado foi feito nos anos 30, com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). Na esteira da quebra do poder das oligarquias promovida pela Revolução de 30, o Dasp teve o papel de organizar a burocracia estatal. Nos anos 50, o governo de Juscelino Kubitschek fez a primeira administração pública empreendedora, com o Plano de Metas tendo papel inovador. Mas sua total despreocupação com o equilíbrio das contas acabou se tornando o embrião do descontrole inflacionário no início da década seguinte. Sob os militares, o planejamento centralizado levou ao reforço da idéia de estado desenvolvimentista. O milagre brasileiro dos anos 70 foi engendrado e tocado por uma poderosa burocracia estatal. Os anos 80 se perderam na crise inflacionária. Só a partir de 1994, com o Plano Real, a estabilização da economia permitiu que as atenções começassem a se voltar para a administração pública e a necessidade da reforma do estado – preocupação que ganhou status ministerial sob o comando do economista Luiz Carlos Bresser-Pereira.

Para Paulo Roberto Motta, da Fundação Getulio Vargas, o país está passando por um momento de transformação na relação entre o estado e o cidadão, em um processo que começou com as empresas. "A iniciativa privada estabeleceu o cliente como foco e criou no cidadão a expectativa de ser tratado assim pelos governos", diz. Não é um processo imune a percalços. A administração pública ainda é refém de um sistema político com características tradicionais. "O estado, fragilmente alicerçado na sociedade, impõe à administração práticas pré-modernas, quase feudais, como o loteamento político, o elitismo e o patrimonialismo", diz Motta.

Os obstáculos não são poucos. A máquina pública é, de fato, comandada por leis retrógradas, que precisam ser mudadas no âmbito da retomada da discussão da reforma do estado. Em pesquisa realizada pela Macroplan no fim de 2007, os secretários de Administração de nove estados apontaram os baixos níveis de profissionalização do servidor público, a má qualidade da gestão e a burocracia excessiva como os principais gargalos da administração pública brasileira. Mas, sem dúvida, os governos estaduais são palcos privilegiados desse processo. O economista José Roberto Afonso diz que o esforço fiscal de estados e municípios é superior ao da União e começa a ser reconhecido até internacionalmente. "Eles já não são sinônimo de endividamento e calote", diz. Álvaro Guzella, do INDG, atribui essa mudança à exigência de equilíbrio das contas, a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal. "Para atender à exigência de contas equilibradas, há dois caminhos: reduzir gastos e aumentar a arrecadação. O problema é que não se pode cortar além de determinado limite nem aumentar a tributação ad infinitum. O caminho foi melhorar a eficiência, ou seja, oferecer mais com menos recursos", diz. Os números do instituto confirmam. Em 2005, o setor público respondia por 14% dos clientes do INDG. No ano passado, essa fatia já era de 33%, sendo a esmagadora maioria (84%) da demanda gerada pelos governos estaduais. Imagine o salto que o país dará quando o conceito de gestão chegar a Brasília!

Oscar Cabral

Quando assumiu pela primeira vez a prefeitura de Vitória, em 1993, Paulo Hartung viu aliados de longa data se tornarem seus adversários. Motivo: implantou um programa de qualidade total no governo municipal, o que foi considerado traição a seu passado de esquerda (no início de sua vida política, militou no PCB). Aos 50 anos, Hartung é campeão de votos. Foi deputado estadual e federal e elegeu-se senador com a maior votação já registrada no Espírito Santo. Apesar disso, não lembra em nada um político tradicional. Fala baixo, não gosta de palanque – ganhou a eleição para o governo estadual em 2002 sem fazer um único discurso – e sempre se cercou de uma equipe escolhida por critérios mais técnicos do que políticos. À frente do governo estadual, enfrentou com sucesso uma herança dificílima. Os três antecessores (Albuíno Azeredo, Vitor Buaiz e José Ignácio Ferreira) haviam destroçado a máquina pública estadual. Foi reeleito em 2006 com 77,27% dos votos, a maior votação proporcional do país. No início de março, uma pesquisa do Ibope apontou-o como o governador com maior índice de aprovação em todo o Brasil.

Lailson Santos


Aécio Neves,
46 anos, começou na vida pública como secretário particular de seu avô Tancredo Neves. Soube aproveitar a herança política, a partir da qual deslanchou uma carreira meteórica. Foi deputado federal por quatro mandatos consecutivos, ajudou a fundar o PSDB em 1988 e, em 2001, elegeu-se presidente da Câmara dos Deputados. Em 2002, foi eleito governador. Reelegeu-se em 2006, no primeiro turno, com 77% dos votos válidos, a segunda maior votação proporcional do país. Bonito e solteiro, entra no sexto ano de mandato batendo ponto nas colunas sociais como convidado obrigatório da maior parte das festas cariocas, às quais comparece com beldades como a miss Brasil Natália Guimarães. No noticiário político, pontifica como peça fundamental na articulação da candidatura tucana (que pode ser sua) na eleição presidencial de 2010 e como o governador com resultados mais expressivos a apresentar. Diz ele: "O choque de gestão nada mais é do que a compreensão de que o setor público tem de ser eficiente e apresentar resultados concretos".

Oscar Cabral

Sérgio Cabral, 45 anos, é um político nato. Gosta de um palanque, é bom em discursos de improviso e pródigo em sorrisos e tapinhas nas costas de eleitores e prefeitos do interior. Foi deputado estadual, presidente da Assembléia Legislativa e senador. Herdou do pai, o jornalista Sérgio Cabral, a simpatia e a tendência a engordar. Carrega também uma herança difícil: a da tradição populista e clientelista da política fluminense. À frente do governo estadual, no entanto, optou pelo avanço. E está entrando em seu segundo ano de mandato com bons resultados para mostrar. Formou uma equipe de técnicos qualificados, conseguiu equilibrar as contas do estado logo no primeiro ano e fechou o primeiro bimestre de 2008 com superávit de 1,2 bilhão de reais. Além disso, reconstruiu a ponte com o Planalto, destruída ao longo de administrações desastradas nos últimos anos. Para isso, além de fazer o dever de casa como governador, lançou mão de um arsenal que incluiu um "frango" engolido propositadamente num jogo de brincadeira com Lula no Maracanã e uma encenação de ato falho ao chamar a ministra Dilma Rousseff de "presidente" na semana passada. Em 2010, será pelo menos candidato à reeleição.

Lailson Santos

O tucano José Serra, 66 anos, começou sua carreira política no movimento estudantil dos anos 60. Foi deputado, senador, prefeito de São Paulo, ministro do Planejamento e da Saúde antes de se eleger governador do estado. No Palácio dos Bandeirantes, ele tem um objetivo claro: pavimentar sua candidatura a presidente da República em 2010. Pretende viabilizar o projeto transformando São Paulo em um canteiro de obras. Para isso, precisa de muito mais dinheiro para investir do que o proporcionado pelos doze anos de boa gestão financeira dos seus correligionários Mario Covas e Geraldo Alckmin. Por esse motivo, Serra cortou 13% dos cargos de confiança do governo do estado – boa parte deles nomeada por Covas e Alckmin. Ao mesmo tempo, passou a renegociar todos os contratos do governo paulista com o objetivo de economizar 600 milhões de reais, o que criou um novo atrito com seu antecessor. Além de pôr um novo freio nas contas já ajustadas de São Paulo, Serra implantou medidas inovadoras para ampliar a receita paulista e conseguiu uma folga orçamentária que será investida prioritariamente em obras de transportes, como o Rodoanel, um anel viário que visa a reduzir o tráfego de caminhões na capital paulista. A construção desse anel estava empacada desde abril de 2006. O projeto só deslanchou porque Serra levantou dinheiro com o corte de despesas e com o leilão da folha de pessoal.

Lailson Santos

José Roberto Arruda levou um susto durante uma cerimônia de inauguração em Taguatinga, cidade-satélite para onde transferiu a sede do governo do Distrito Federal. Seu discurso foi interrompido por uma senhora que se esgoelou em xingamentos. Mais tarde, o governador quis saber o motivo. Diante da resposta, teve de concordar que faria o mesmo se estivesse em seu lugar. "Ela era funcionária pública não concursada e foi demitida; o marido tinha uma van, que ficou impedida de circular porque não possuía licença; e a casa onde a família morava estava em situação irregular e foi demolida", conta Arruda, que por causa dessa opção pela ordem amargou a rejeição inicial de 60% do eleitorado. Os números que resultam dessas intervenções impopulares são impressionantes. Só a transferência das repartições públicas para um galpão na cidade-satélite de Taguatinga possibilitou a devolução de 140 imóveis e 700 carros alugados, além de uma redução de 30% nas despesas com informática, água e energia elétrica. O gasto total com custeio reduziu-se em um terço, com economia de 900 milhões de reais. O resultado começa a ter impacto na opinião do eleitorado. Nas últimas pesquisas, Arruda, 54 anos, já foi bem avaliado por 60% da população, o que torna seu governo – o único do DEM – a melhor vitrine do partido para 2010.

Leo Caldas/Titular

O governador Eduardo Campos, 42 anos, é o mais jovem integrante desse time. Começou cedo, aos 21 anos, na política, pela mão do avô Miguel Arraes, que governou Pernambuco por três mandatos. Foi chefe de gabinete e secretário da Fazenda de Arraes, deputado estadual, federal e ministro da Ciência e Tecnologia do governo Lula. A estréia foi ruim. Em 1992, candidatou-se à prefeitura de Recife e amargou um humilhante quinto lugar. Campos ganhou o apelido pejorativo de "Dudu Beleza" e, sob seu comando, quando estava na Secretaria da Fazenda, Pernambuco mergulhou no escândalo dos precatórios: foram emitidos títulos do governo estadual com lastro em precatórios falsos. A história que se seguiu desmentiu a que estava prevista. Aos poucos, Campos construiu uma carreira política distante dos métodos que ele mesmo utilizou no governo do avô, quando era secretário da Fazenda. Elegeu-se governador em 2006 e tem conseguido recuperar a economia do estado. Para isso, conta muito o apoio de Lula. Pernambuco é um dos estados que, até agora, mais se beneficiaram de recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Cerca de 25% dos 80 bilhões de reais que o programa federal destinou ao Nordeste deverão ser aplicados no estado.

Com reportagem de José Edward,
Ronaldo Soares e Victor De Martino

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