Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 05, 2008

Dora Kramer Fogo de morro acima

O presidente do Senado, Garibaldi Alves, semana passada havia dito que o Congresso "está na UTI". Pois bem, ele agora acha que o quadro se agravou por causa do acirramento dos ânimos em torno do dossiê dos gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e prevê dias de agonia para um Poder em estado de tumulto absoluto.

Garibaldi vai tentar se antecipar fazendo na terça-feira uma reunião de apelo geral à harmonia, mas nem ele acredita que dê certo: "O incêndio está anunciado e eu me sinto como um bombeiro sem água suficiente para apagar o fogo."

Na sexta-feira, o presidente adiou o problema para o início da próxima semana ao evitar a leitura do requerimento para a instalação de uma CPI dos Cartões exclusiva do Senado. Mas, reconhece, não terá como postergar mais porque a CPI atende às exigências do regimento. "Formalmente, está perfeita, irretocável."

Da mesma forma, Garibaldi diz que será obrigado a ler na próxima semana o requerimento de convocação da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, para depor no plenário do Senado sobre o dossiê e tampouco enxerga como a ministra possa deixar de comparecer à Comissão de Infra-Estrutura para a qual a oposição, num vacilo da base governista, conseguiu convocá-la para falar do PAC, no intuito de questioná-la sobre o dossiê.

"Não vou bancar o jogo de ninguém, tenho de tentar agir como magistrado, mas, admito, não tenho uma fórmula milagrosa para resolver a questão."

A solução, no entender do presidente do Senado, seria a oposição desistir de fazer uma CPI no Senado ou a situação concordar em pôr um fim à comissão mista do Congresso. "Duas CPIs sobre o mesmo assunto é garantia de tumulto."

No entendimento de Garibaldi, enquanto as duas forças em conflito obstruírem-se mutuamente nada anda no Senado. Somado ao período de paralisia por conta do escândalo Renan Calheiros e mais o recesso branco do semestre que vem por causa das eleições, serão dois anos de inferno num ambiente outrora tido como melhor que o paraíso, dada a dispensa do pré-requisito da morte.

Embora ache "difícil" ter sucesso, Garibaldi Alves diz que fará a sua parte tentando convencer governo e oposição a pelo menos firmarem um acordo de procedimentos civilizados.

Não esconde, porém, o receio de que as coisas degenerem de vez e aponta a política eleitoral como o principal fator de atrito sem livrar a responsabilidade de nenhuma das partes.

Na opinião dele, o presidente Lula provocou ao antecipar o debate da sucessão e abrir a campanha antes do tempo. E a oposição se entusiasmou quando conseguiu derrotar a CMPF e se considerou dona de uma força sem correspondência na realidade.

Resultado: instalou-se a desorganização e "o esperneio" passou a ser a regra geral.

Tudo igual

A entrevista da ministra Dilma Roussef, para rebater a reportagem da Folha de S. Paulo mostrando que o dossiê saiu pronto do Palácio do Planalto, não influiu nem contribuiu.

A ministra foi enfática da forma e vaga no conteúdo: fez uma explanação hermética sobre modelos de planilhas do banco de onde teriam sido tiradas as informações sobre gastos do governo anterior, apontou "crime" no vazamento de dados sigilosos, mas se contradisse ao afirmar que eram públicos e, por isso, não justificariam a confecção de dossiês.

Papelório

A CPI dos Cartões começou a receber notas fiscais, faturas e prestações de contas desde 1998. Só referentes aos Ministérios do Planejamento e da Previdência, são mais de 100 caixas atoladas de papéis.

A CPI pediu os dados por meio eletrônico, mas foi informada que eles não estão em versão digital. Isso embora o governo diga que vem organizando os dados em computador desde 2005 num "banco" hoje "20 mil vezes maior" que o dossiê de 13 páginas.

Na manga

Por que soam inverossímeis os desmentidos do governo sobre o dossiê?

Porque, além das versões desencontradas sobre a origem e objetivo do documento, há a palavra de ministros e parlamentares que, em seguida à denúncia sobre o excesso de gastos nos cartões corporativos, viviam dizendo ter informações para neutralizar o inimigo.

Mortos pela boca, saíram atrás de jornalistas tentando convencê-los de que não haviam entendido direito a história sobre a coleta de munição contra os tucanos.

Em retrospectiva, o dossiê explica inclusive o surpreendente gesto do governo de tomar a iniciativa de instalar a CPI. Vê-se agora, pela sistemática derrubada de requerimentos, que a idéia não era investigar.

Era ameaçar com a carta-trunfo e pagar para ver se o adversário tinha tutano para entrar no jogo. Quase deu certo. A oposição fez acordo, mas recuou e tomou-se em brios quando o público também ficou sabendo da existência do dossiê.

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