Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, dezembro 27, 2006

É ter fé e rezar Demóstenes Torres

A revista Time desta semana publicou uma matéria sobre o Brasil. A reportagem trata da responsabilidade dos pilotos do Legacy. No fundo se interessa mesmo por demonstrar o caos no sistema de aviação civil brasileiro. Alguém pode argumentar que a imprensa americana adotou a defesa dos pilotos, em ato de patriotismo estratégico ou mero exercício imperialista. Como já escrevi, prefiro entender que a exposição ao vexame de milhares de passageiros nos aeroportos seja o argumento que os enche de razão.


Um dos traços mais admiráveis do brasileiro é a boa-fé simpática. Na época da hiperinflação, no governo Sarney, as donas de casa foram às ruas fiscalizar os preços durante o Plano Funaro. Todo mundo ficou em estado de apoplexia quando o Collor confiscou os depósitos bancários, fato depois plenamente assimilado. No apagão elétrico, o governo federal, o grande responsável pela falta de investimentos em geração de energia, convocou a sociedade e a maioria acatou o racionamento até como prestação de dever cívico.


Desta vez, a sensação é de que não há o que se fazer nem alguém para reclamar. No início da crise foi apontada a necessidade de instalar um balcão do Procon nos aeroportos. Excelente idéia, mas o Procon vai reclamar para quem uma vez que a Anac está tão perdida quanto um passageiro com 12 horas de espera? Não escapou ao repórter da Time a observação do presidente Lula de que a crise estava resolvida. O jornalista asseverou que a declaração expressava o entendimento pequeno que Lula tem do problema.


Era de se esperar que o governo federal assumisse a paternidade do apagão aéreo e gerenciasse a crise com presteza institucional. Talvez em razão do fantástico índice de aprovação popular, o presidente se desvia do problema. Depois que Lula culpou a TAM pelo apagão pré-natalino os seus funcionários afinaram o discurso e agora atribuem ao crescimento do mercado brasileiro de aviação a insuficiência de controle do tráfego aéreo. É a primeira vez que ouço falar que o incremento de uma atividade produtiva é danoso ao País.


A Anac devia estar no centro do gerenciamento da crise, mas falta potestade à agência encarregada de regular a aviação civil no Brasil. O impedimento de autoridade deriva do próprio aparelhamento da instituição pelo PT. O senhor Milton Zuanazzi é mais um passageiro da situação. Além de não entender da matéria, Zuanazzi não tem autonomia das suas palavras e gestos. A atuação da Anac tem ainda um óbice de hierarquia muito grande, uma vez que regula um setor civil cujo controle é militar. Imagina o tratamento que o senhor Milton Zuanazzi não deve receber do comando da Aeronáutica considerando-se que o ministro da Defesa é o último a ficar sabendo?


É muito engraçado uma agência reguladora anunciar auditoria na TAM por overbooking depois do fato consumado. Por que não fez antes? Isso costuma ter nomes de negligência e prevaricação. No Brasil os problemas são conduzidos pelo governo ao paroxismo. Sempre foi assim e parece que temos uma incapacidade cultural de governança. A democracia estabeleceu um Estado legítimo, no entanto ele continua ineficaz. Funciona aos trancos e barrancos até o exaurimento.


Para quem gosta de recuperação da memória histórica, a editora Desiderata compilou o melhor da coluna Gip! Gip! Nheco! Nheco! que o jornalista Ivan Lessa e o cartunista Redi publicaram no Pasquim entre 1972 a 1977. Foi um tempo em que Lessa ainda se interessava pelo Brasil. Uma tirada do colunista de 1976 pode muito definir a embromação à brasileira. "Os argumentos não procedem. Ficam estáticos no mesmo lugar admirando as palavras voando em torno das questões."


Não sou de saudosismo, mas preciso reconhecer que 30 anos atrás o repertório era muito melhor. Vai com Deus Braguinha, você que festejou a vida por quase um século e deixou uma obra monumental.

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