— Crise no machismo global! Foi assim que um amigo, economista e especialista em cenários, concluiu seu cenário de mudança do poder no mundo. Ele acha que os homens devem se preparar para ver no futuro uma reunião do G-8 em que estarão presentes as superpoderosas Hillary Clinton, Segolene Royal e Angela Merkel. Cedo para considerar a briga encerrada. Nesse tema, o que parece simples está errado.
“Lugar de mulher é na cozinha”. Se a frase chocou você como choca a mim, saiba que está numa vasta maioria no país. Apenas 13% dos brasileiros concordam com a frase, apenas 9% dos europeus; mas acham que ela faz sentido 38% dos russos e 64% dos chineses. Isso é o que foi captado numa pesquisa mundial do Target Group, do qual o Ibope é o sócio brasileiro.
Seria até o caso de sentir alívio de morar no Brasil não fosse o fato de que sabemos outros dados e fatos da realidade. O IBGE acabou de divulgar uma pesquisa mostrando que a mulher dedica duas vezes e meia mais horas semanais ao trabalho doméstico do que os homens. Isso não combina com o percentual de 87% de politicamente corretos, que responderam tão direitinho à pesquisa, rejeitando a frase “lugar de mulher é na cozinha”.
A União Soviética tinha campanhas publicitárias para acabar com a idéia tradicional da mulher que dizia coisas como: “Vários tipos de mães são necessárias e importantes; engenheiras, pilotos e policiais”.
Pôs a mulher no mercado de trabalho, adotou práticas e cotas não escritas para incluir a mulher em todos os tipos de serviços, mesmos os mais pesados, construiu um serviço de creche que tirou de casa a força de trabalho da mulher e a orientou para a economia. Isso liberou a mulher russa? A jornalista russa Marsha Lipman conta o outro lado. No mundo soviético o trabalho doméstico e o controle da natalidade eram coisas de mulher. Os homens não se preocupavam. Como o planificador central não achava relevante havia poucos contraceptivos no mercado e as camisinhas eram de péssima qualidade. A mulher controlava a natalidade com abortos em números, que a jornalista define como abomináveis.
“Era comum para mulheres, casadas ou não, terem dúzias de abortos, que na URSS eram geralmente conduzidos sem anestesia”.
Outro detalhe que eu mesma notei quando estive lá, nos estertores do regime comunista, foi a falta de produtos rotineiros do conforto feminino como meia-calça ou absorventes higiênicos. A explicação dada por uma amiga, na época morando em Moscou, é que o planejamento da produção era feito por homens, portanto a indústria era orientada a produzir apenas as mercadorias mais relevantes, da perspectiva dos homens.
A jornalista Marsha Lipman, que tem uma colunista mensal no “Washington Post”, diz que as mulheres soviéticas avançaram por decisão do estado totalitário, mas no Comitê Central e no Politiburo havia apenas eventualmente, uma ou outra mulher. Os avanços conquistados pelo ativismo feminista em outros países, foram, na opinião dela, mais genuínos do que o decretado pelo autoritarismo comunista.
O importante nesta complexa e sempre instigante questão é que ele tem uma variedade tão grande de nuances que revoga qualquer simplificação. Nada se resolve de forma mandatória, o indispensável avanço no mercado de trabalho não esgota a questão, as barreiras são sutis, às vezes imperceptíveis, mas poderosas. A teia que detém o avanço da mulher tem fios psicológicos, históricos, culturais, econômicos, familiares e afetivos.
O que eu, feminista desde a adolescência me assusto, é com a falta de compreensão da profundidade do problema por certas jovens. Nada é banal nesse tema, e a construção de uma relação mais igualitária em gênero não é tarefa de uma geração. Leva tempo.
Um dedo de prosa agora com a leitora e o leitor desta coluna. Fiquei de plantão até esse 25 de dezembro e hoje saio de recesso de fim de ano. Pensei em fazer, já que estava aqui de olho em tudo, uma coluna de assunto mais conjuntural. Mas confesso que novas confusões de aeroporto, mais um indicador econômico, uma nova declaração de autoridade e o movimento de Natal não me inspiraram.
Resolvi então falar desse assunto de mulher. Espero que todos os homens de boa vontade achem interessante.
Esse é uma questão da humanidade e não só das mulheres.
Quero dizer também que essa coluna fica — por escolha profissional e não por militância — indo de mulher para mulher. Assume, na minha folga, Débora Thomé que trabalha na coluna há quatro anos e meio e vocês conhecem bem. Nesse período consolidou seus vários talentos naturais, como o bom texto, o faro para a notícia, a precisão nos detalhes.
Débora passará a ocupar este espaço nas minhas folgas e férias, o que antes era feito por Flávia Oliveira, que atualmente, como os leitores acompanham, é titular da Negócios&Cia.
Formada pela PUC, Débora trabalhou na “TV Globo”, na equipe do Jornal Nacional e do Bom Dia Brasil, antes de vir para esse Panorama.
O colunismo é uma vertente do jornalismo cada vez mais necessária nesse mundo da informação instantânea e o GLOBO tem investido muito na formação de quadros nessa área. Débora assina a coluna até a minha volta ao trabalho, no dia 2 de janeiro. Bom ano novo para todos nós, que temos feito por merecer.
Entrevista:O Estado inteligente
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