Artigo
O Estado de S. Paulo
26/12/2006
A isonomia salarial tem sido um problema permanente, que já se tornou tradicional no Brasil. Remunerar igualmente pessoas que exercem igual função nos três Poderes da União é um imperativo de justiça, como ensinou Rui Barbosa: “A regra da igualdade não consiste senão em aquinhoar desigualmente os desiguais, na medida em que se desigualam. Tratar com desigualdade a iguais ou desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real.” É basilarmente injusto o que se faz “nesse país” quanto aos salários desiguais, no serviço público e até nas empresas privadas, para pessoas que fazem exatamente o mesmo trabalho.
O presidente Castello Branco tentou corrigir a discriminação no Ato Institucional nº 2, cujo artigo 25 determinava a paridade na remuneração de servidores dos três Poderes da República, não admitido nenhum acréscimo a qualquer título. A despeito dos termos peremptórios, permaneceu tudo como dantes no quartel de Abrantes.
O Congresso Nacional pretende igualar os vencimentos dos parlamentares aos de ministro do Supremo Tribunal Federal. Não seria nenhum absurdo, se não houvesse “fringe wages” descabidos no Congresso.
Por que não seria absurdo? O presidente da Câmara dos Deputados é a terceira autoridade na hierarquia, logo abaixo do vice-presidente da República. O presidente do Congresso, um senador, tem precedência - bem assim os parlamentares - sobre os ministros, no cerimonial da República. Logo, a isonomia salarial teria sentido, e acabaria eliminando o problema delicado de a fixação de vencimentos ser feita pelos próprios parlamentares, a seu critério.
Ocorre que a igualdade seria violada, porque os parlamentares têm aumentos arbitrários, como o ressarcimento das despesas pessoais, no valor de R$ 15 mil/mês, a título de ressarcimento de consumo de gasolina, de pagamento de corridas de táxi, etc. Só esse, somado aos R$ 12.800 mensais que recebem, corresponde ao total atual de R$ 27.500. Se mantidos, somados aos pretendidos R$ 24.500, totalizariam R$ 37.300.
Daí o repúdio da sociedade a um aumento de mais de 90% e a inevitável comparação com o porcentual ridículo para outros servidores do Estado, gerando todo tipo de protesto, justo ou demagógico. Nenhuma estranheza, porém, com o mesmo zelo patriótico com enclaves de privilégio de certas profissões. Um exemplo, que não é o único, é o de um delegado de polícia, que, no início da carreira, ganha o mesmo que um general com, no mínimo, 45 anos de serviço, todos os cursos, da graduação de aspirante a oficial ao generalato, que poucos atingem, sofrendo ainda os efeitos nocivos das diversas transferências por todo o território nacional, desde as fronteiras.
O mesmo se dá no Poder Judiciário, com promotores e procuradores. Sem a matinada que atinge o Congresso Nacional, e ainda reclamam constantemente aumento salarial.
Mas, se eliminadas as despesas indenizáveis, a isonomia do parlamentar com ministro do Supremo não geraria o vendaval de protestos, os acorrentamentos de patriotas nos corredores do Congresso, a mobilização de uns poucos, mas barulhentos estudantes e sindicalistas.
Além disso, há possibilidade de economizar os gastos com o Legislativo em outras rubricas, evitando comparações nem sempre corretas. Os R$ 50 mil/mês destinados, no orçamento, à administração dos gabinetes, desinformados dizem incorporar os vencimentos dos deputados, mas decorrem de servidores contratados para os gabinetes, que há pouco eram 20 por gabinete e são agora 25. Poderiam ser menos e em nada isso prejudicaria a tarefa que lhes é própria de secretariar o parlamentar.
Durante o período do ciclo militar, os vencimentos permaneceram os mesmos em cada legislatura. Ao fim delas, a Constituição mandava fixar os vencimentos para a seguinte, o que era feito por proposta apreciada em votação nos plenários das duas Casas. De resto, trabalhávamos de segunda a sexta-feira, permitindo-nos apenas passar a sessão da sexta para a manhã, facilitando as viagens para as bases logo na sexta à tarde. O exemplo certamente não mereceria ser mantido, porque traz a mancha de ter sido diretriz dos “tempos de chumbo”. A “Constituição cidadã”, vigente, acabou com isso. Passou-se a decidir sobre vencimentos aleatoriamente.
No governo do presidente Fernando Henrique Cardoso não houve aumento na legislatura inicial. Mas foi uma medida de caráter geral, e não só para o Legislativo, sob o argumento de que a inflação era mínima e estável. Na outra legislatura o aumento coincidia com a mesma pífia porcentagem concedida aos funcionários públicos, que fez minguarem os vencimentos, acentuando a diferença com os do Judiciário. Apareceram, então, os remendos que viraram um despautério. Aumentos quase clandestinos, a critério das Mesas Diretoras.
O Judiciário, graças ao prestígio do ministro Nelson Jobim, conseguiu resolver o aumento dos ministros do Supremo, fixando ao mesmo tempo um teto para a magistratura, precatando-se do efeito cascata. Mas a festa das isonomias tomou vulto, sem que se lhe possa negar razão de ser. O presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), órgão tecnicamente auxiliar do Legislativo, teve o vencimento de seu presidente igualado ao de ministro do Supremo.
A isonomia de um parlamentar com um ministro do Supremo justificaria aquinhoar igualmente os que se igualam no topo dos dois Poderes da República.
Entrementes, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta 2.978 magistrados ganhando mais do que o teto permitido no Poder Judiciário.
Silenciaram.
A censura é seletiva.
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