Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 20, 2008

Vítimas e vítimas


A sistemática das reparações financeiras por abusos cometidos durante o regime militar merece ser rediscutida

NÃO DEMORA muito, no Brasil, para que um direito legítimo dê margem a abusos e distorções institucionalizadas.
Surgiu como correta, nos idos de 2002, a idéia de conceder reparações financeiras às vítimas dos abusos cometidos durante a conflagração que dividiu a sociedade nos 20 anos de regime militar. Deveriam fazer jus a essas reparações tanto opositores mortos ou torturados quando se encontravam sob custódia do Estado, como funcionários desse mesmo Estado assassinados quando no estrito exercício de suas obrigações.
Com o passar dos anos, entretanto, foi-se criando uma verdadeira indústria: só de 2005 a 2007, passou de 3.184 para 8.470 o número dos requerimentos deferidos pela comissão. Não se contam entre os beneficiários apenas as pessoas submetidas fisicamente às brutalidades do regime, ou as famílias daqueles que foram mortos pelo simples ato de defender, pacificamente, seus ideais políticos.
No caso dos que se engajaram na luta armada, em tese dispostos a tudo perder, a própria idéia de uma reparação já teria tudo para cercar-se de tintas polêmicas; foi liberal, por via das dúvidas, a atitude da comissão.
Esta se revela ainda mais discutível quando, com base nos prejuízos experimentados por opositores do regime militar em sua vida profissional, o cálculo dos valores retroativos e das pensões devidas alcança cifras elevadíssimas.
Não se trata de colocar num pelourinho moral a percepção subjetiva de tantas pessoas que, depois de viverem anos de exposição ao trauma, ao estigma e à ameaça, pleiteiam o que julgam ser correto. Cabe à sociedade, entretanto, ponderar a questão de outro ponto de vista.
O valor aproximado das reparações concedidas de 2002 a 2007 chega a R$ 2,9 bilhões. Quanto receberam, em média, as incontáveis vítimas da negligência do Estado em acidentes de trânsito, em filas de hospitais do SUS? Que dizer dos jovens que, sem nenhum antecedente criminal, foram mortos em chacinas promovidas pela polícia, ou torturados em delegacias nos mais diversos pontos do país?
Há entre as próprias vítimas da guerrilha, como se noticiou, casos de reparação cujo valor foi mínimo diante do concedido a figuras de destaque da oposição.
Cumpre, sem dúvida, rediscutir o tema. Os casos de morte e tortura têm uma gravidade que não se compara ao tipo de prejuízos que, atualmente, inspira tantos pedidos de reparação. Em muitos desses casos, os danos alegados são de difícil aferição. Tampouco caberiam reparações a quem pegou em armas e pereceu em combate como decorrência de uma opção na qual esse risco era notório.
A anistia extinguiu a punibilidade dos responsáveis pelos abusos, de ambos os lados, mas não exime o Estado de reparações financeiras. Estas deveriam se restringir, porém, aos casos de violência física cometida contra pessoas indefesas no momento em que a sofreram.

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