Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 15, 2008

Um escândalo continuado


editorial
O Estado de S. Paulo
15/4/2008

A prorrogação dos trabalhos da CPI das Organizações Não-Governamentais (ONGs) no Senado, que de outro modo encerrará em 12 de maio os seus trabalhos não propriamente profícuos, é condição necessária, mas de forma alguma suficiente para apurar irregularidades tidas como muito superiores às que teriam sido praticadas com o uso dos cartões corporativos do governo. Segundo o senador piauiense Heráclito Fortes, do DEM, há 'fortes indícios' de desvios maciços de recursos públicos em operações que envolvem pessoas e entidades ligadas ao PT e ao Planalto.

Para todos os efeitos práticos, essas parcerias espúrias convertem as organizações não-governamentais a que dizem respeito em verdadeiros organismos paraestatais sustentados pelo contribuinte. Uma parcela indeterminada das 300 mil ONGs do Brasil, por sinal, mais se parece com lobbies de grupos econômicos - para isso mesmo é que foram criadas.

Decerto pelo motivo mencionado pelo senador, desde o seu início, em outubro passado, as investigações da CPI têm sido sistematicamente bloqueadas por senadores da base do governo. E não será tampouco por outro motivo que a sua prorrogação por 90 dias, supondo que a oposição a consiga, bastará para que se chegue ao desvendamento desse que tem tudo para ser mais um escândalo continuado que o lulismo quer varrer para debaixo do tapete. Os números dão idéia do espaço que existe para fraudes, favorecimentos e desperdícios. Entre 2003 e 2007, a administração Lula repassou R$ 12,6 bilhões a 7.700 ONGs por meio de 20 mil convênios e outras modalidades de vinculação. Duas situações reveladoras do muito que há para ser levantado nesse campo fecundo para ilicitudes vieram a público nos últimos dias.

No domingo, o Estado descreveu um caso de provável promiscuidade entre o público e o privado, cujo principal protagonista é o ex-diretor-executivo de uma ONG que mantém cinco contratos ativos com uma agência federal que ele mesmo dirige. E, ontem, a Folha de S.Paulo noticiou que uma auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) condenou três convênios com uma 'associação corporativa' cujo dirigente tem ligações com o presidente Lula.

O personagem da matéria do Estado é o secretário de Desenvolvimento Territorial, do Ministério do Desenvolvimento Agrário, Humberto Oliveira, que de 1992 a 2002 esteve à frente da Associação de Orientação às Cooperativas do Nordeste (Assocene). No atual governo, a entidade recebeu R$ 3,7 milhões, dos quais R$ 2,3 milhões saídos da repartição de Oliveira. E esta é peça-chave do programa Territórios da Cidadania, cujos investimentos previstos para o ano em curso alcançam R$ 11,3 bilhões.

O secretário, naturalmente, nega que tenha privilegiado a associação da qual se afastou para integrar o governo Lula. Todas as ONGs financiadas pela Secretaria, assegura, são selecionadas mediante critérios rigorosos, com o aval de conselhos estaduais. Ele ressalta ainda que a Assocene recebeu recursos dos dois governos anteriores. O conflito de interesses, de todo modo, salta aos olhos - e está longe de ser um caso único.

A CPI das ONGs identificou pelo menos uma centena de agentes públicos federais vinculados a órgãos do gênero, a exemplo de Oliveira. Para o presidente da CPI, Raimundo Colombo, do DEM de Santa Catarina, trata-se de 'dupla militância'. Desalentado, ele reconhece que a maioria dos membros da comissão não parece disposta a checar as contas das ONGs envolvidas nem 'a composição real do comando administrativo dessas instituições'.

Já os parceiros dos três contratos reprovados pelos auditores do TCU são o Ministério do Turismo e a Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), que recebeu deste governo R$ 24 milhões. A Abrasel, na contramão do Ministério da Saúde, defende o fumo em lugares fechados e se opõe à proibição da venda de bebidas alcoólicas nas estradas. Um dos repasses declarados contrários ao interesse público ajudou a bancar um congresso da associação em agosto de 2006, a que compareceu o presidente Lula, levado por um amigo do ramo.

O TCU analisou uma amostra de 167 contratos com ONGs. Encontrou irregularidades em todas as etapas das parcerias. Resume o presidente da CPI: 'Não há critério para seleção, não há fiscalização, não há cobrança de resultados.'

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