Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 12, 2008

A turnê de despedida de Aznavour

O longo adeus de Aznavour

Aznavour, o último ícone da chanson francesa, faz da turnê de despedida no Brasil mais uma etapa de sua carreira monumental


Antonio Ribeiro

Virginie Lefour/AFP
Ao ouvirem a voz intacta, os fãs vão querer saber: "Por que parar?"

Na bagagem, mais de 100 milhões de discos vendidos e 700 composições. Charles Aznavour, 83 anos, derradeiro ícone vivo da chanson francesa, desembarca no Brasil no dia 17 de abril. Os concertos de duas horas, cada um com 24 músicas, em São Paulo, Brasília, Rio, Curitiba e Porto Alegre, poderão ser a última oportunidade dos brasileiros para ouvir, em seus palcos, a voz peculiar. E ver de perto o gestual esmerado do ator de sessenta filmes, capaz de dar a entender a música a deficientes auditivos – é o caso de Mon Émouvant Amour, declaração de amor para uma surda-muda, famosa pelo dueto de Aznavour com Liza Minnelli. Para muitos, os shows servirão de lembrete: Aznavour está vivo – é só a canção francesa que anda em declínio desde a década de 70.

A escala de Aznavour no Brasil faz parte de mais uma etapa do Farewell Tour, longa turnê mundial vendida como despedida dos palcos. Se não é bem um adeus definitivo, o clima melancólico casa perfeitamente com o gênero musical do milionário cantor francês, filho de imigrantes armênios pobres. Um dos requisitos básicos da chanson é que a carga emotiva seja intensa, afetando simultaneamente o público e o intérprete. Sentado na sala de reuniões da Editions Raoul Breton, o seu quartel-general no 17º distrito de Paris, Aznavour revela a VEJA: "Um malandro disse que eu estava fazendo a turnê de despedida, a idéia pegou, nós deixamos". Aznavour admite voltar a singrar águas antes navegadas, apenas não quer atender a encomendas. Dito de outro modo: aceita fazer um novo concerto, por exemplo, em Nova York, de onde já se "despediu", com a condição de ficar desobrigado de cantar em inglês, como fez recentemente. "Eu não vou decidir quando parar, a música fará isso no meu lugar, mas detesto a idéia de morrer no palco", diz ele. Simulando a posição de um moribundo, completa: "Desejo ter só a família como público da minha morte".

O Dicionário de Música da Universidade Harvard inclui a chanson como uma das mais antigas, férteis e importantes entre as tradições musicais das nações. No entanto, os franceses cansaram-se dela. O estilo de Charles Trenet, Édith Piaf, Maurice Chevalier, Jacques Brel deixou poucos herdeiros. Aznavour não conheceu revivescência similar à do cantor americano Tony Bennett. Ele continua a fazer o de sempre. A partir de uma expressão ou frase, constrói uma história com bom fecho e depois deita a melodia sobre ela. Et Pourtant começa com "Uma bela manhã". Qualquer relato pode vir em seguida, mas a frase forte está marcada, pronta para virar refrão. A composição Il Faut Savoir ensina passos para encerrar uma relação amorosa com dignidade e boa dose de estoicismo, mas a conclusão não tem nada de professoral: "Eu não sei". A velha fórmula de arrastar quem ouve para ser personagem da história cantada é usada com maestria. "Meus amigos dizem ouvir as pessoas falar com as letras das minhas canções nas ruas; na verdade, sou eu quem copia o que elas dizem no seu cotidiano", afirma Aznavour.

Perde-se um pouco das canções de Aznavour por não se conhecer a França e o francês. "Este país nunca criou ritmo musical próprio, todos vieram de fora, nossa força está no texto", diz o autor de Emmenez-Moi. Os brasileiros terão ponto de contato imediato com Aznavour se souberem que ele canta "Leve-me para o fim da Terra, leve-me para o País das Maravilhas, me parece que a miséria será menos penosa sob o sol". Outro bom exemplo está em La Bohème, de Jacques Plante, magistralmente interpretada por Aznavour. A primeira estrofe da chanson remete a um tempo desconhecido para quem tem menos de 50 anos. E só a familiaridade com a vida dos artistas de rua no bairro parisiense de Montmartre durante o pós-guerra permite saborear inteiramente a nostalgia de existências entre a precariedade e a boemia, descrita na letra. Mas a lacuna cultural não é assim tão grave. Pois sempre resta a voz única, ora de tenor, ora de barítono – conseqüência de um feliz defeito nas cordas vocais.

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