Como o barítono brasileiro Paulo Szot se
tornou protagonista de um musical da Broadway
Sérgio Martins
Todd Heisler/The New York Times |
Szot, em ascensão também no mundo erudito: "South Pacific é música popular – mas da melhor qualidade" |
Desde 1939, quando Carmen Miranda estrelou a revista musical Streets of Paris com a dupla de comediantes Abbott & Costello (de quem logo roubaria a cena), nenhum brasileiro alcançou o feito do barítono Paulo Szot num palco da Broadway, em Nova York. Desde o início do mês, o cantor paulista de 38 anos é o protagonista da nova versão de South Pacific, da dupla Rodgers & Hammerstein. A versão original do musical ficou em cartaz de 1949 a 1954 – e tornou-se um dos shows mais celebrados na história da Broadway. A crítica reservou elogios especiais a Szot. Ben Brantley, do The New York Times, definiu o barítono como "charmoso" e chamou atenção para a "química intensa" entre Szot e Kelli O’Hara, sua parceira de cena. South Pacific fala do romance entre um fazendeiro francês, Emile de Becque, e uma enfermeira americana numa ilha da Polinésia. O romance desanda quando vem à tona que Emile tem filhos mestiços, nascidos do relacionamento com uma nativa.
Szot tem um currículo respeitável como artista de ópera. Nascido em Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, mudou-se para a Polônia aos 18 anos a fim de estudar canto. Trabalhou quatro anos na Companhia Estatal de Canto Slask, do Grande Teatro de Varsóvia. "Peguei o final do comunismo. Tinha de entrar numa fila imensa para ganhar tíquetes que valiam sabão e comida", lembra-se. De volta ao Brasil, foi protagonista de produções como Don Giovanni, de Mozart, e O Barbeiro de Sevilha, de Rossini. Szot tem uma carreira internacional ascendente. Em Nova York, já trabalhou em cinco grandes produções, com destaque para Carmen, de Bizet. Em abril do ano passado, Szot recebeu uma ligação de seu agente, perguntando se não estaria interessado em fazer testes para South Pacific. Foi um convite inesperado. A Broadway não é muito receptiva a cantores estrangeiros. Além disso, há desconfiança recíproca entre o mundo erudito e o dos musicais populares.
Szot conta que muitos de seus colegas torceram o nariz ao saber que ele ia tomar parte nos testes para South Pacific. "Sim, claro que South Pacific é música popular. Mas da melhor qualidade, e foi isso que levei em conta", diz o barítono. Ele também teve de enfrentar o ceticismo dos profissionais da Broadway, que costumam fazer pouco das habilidades cênicas dos cantores líricos. Ao fim, Szot não apenas venceu as provas de canto e interpretação como também testou as candidatas a Nellie Forbush, par romântico de seu personagem. Todas as atrizes que fizeram o teste ao seu lado choraram depois de ouvi-lo cantar Some Enchanted Evening, ária do musical que se tornou um standard do cancioneiro americano. Ou, ao menos, é essa a história que se conta nos bastidores. No momento, a maior preocupação de Szot é agüentar o ritmo das apresentações. A Broadway exige mais dos cantores, que sobem ao palco oito vezes por semana – contra três récitas semanais num teatro de ópera. South Pacific deve ficar em cartaz até janeiro de 2009. "É como se de repente eu tivesse passado a competir no decatlo", diz Szot. "Vou agüentar. Mas terei de treinar bastante."