"Juro nominal não é juro, minha gente, é a
grande mentira que ministros e banqueiros
divulgam para facilitar a colocação de seus
títulos financeiros nas mãos dos desavisados.
O importante não são as reuniões do Copom,
mas, sim, saber o valor do juro real e quando
ele vira negativo"
A manchete de primeira página da Folha de S.Paulo de 19 de março de 2008 foi um marco na história do jornalismo brasileiro, que merece comentário e elogios. A manchete noticiou o seguinte: "Juro real dos EUA fica negativo com o sexto corte seguido".
Nenhum jornal do mundo alertou seus leitores de que os juros viraram negativos e de que quem aplicasse em títulos públicos americanos iria, a partir daquele dia, perder dinheiro.
Jornais como o The New York Times e o Wall Street Journal publicaram o contrário, que os investidores continuariam a ganhar dinheiro, à taxa de 2,25% ao ano, uma informação incorreta e enganosa.
Jornais e jornalistas americanos discutem há mais de vinte anos por que o jornalismo econômico está lentamente perdendo espaço. Mais intrigante ainda é analisar por que o leitor médio não está disposto a pagar o preço justo da informação, justamente na era da informação. A imprensa precisa subsidiar o custo do jornalismo em geral com a verba dos anunciantes.
Você pagaria uma boa soma em dinheiro para receber manchetes corretas, avisando-o de que você poderia perder dinheiro? Claro que sim! Talvez esse seja o âmago da questão. O jornalismo econômico nem sempre fornece informação útil suficiente para motivar o leitor a pagar o custo desse jornalismo informativo. Pagar caro para ler informação incorreta, como nesse caso, e ainda ter de ler sobre a desgraça alheia, dossiês e escândalos, simplesmente não compensa.
A Folha de S.Paulo, portanto, fez história ao mostrar que o importante para o leitor é o juro real, e não o juro nominal. Sonhei vinte anos para ver esse dia, razão de meu contentamento e aprovação. Abusei da paciência dos leitores de VEJA nestes anos escrevendo nada menos que seis Pontos de vista batendo sempre nessa mesma tecla.
Juro nominal não é juro, minha gente, é a grande mentira que ministros e banqueiros divulgam para facilitar a colocação de seus títulos financeiros nas mãos dos desavisados.
Professores de jornalismo deveriam ensinar a seus alunos que juro real é pleonasmo, é uma redundância lingüística. Nenhum jornalista econômico escreve dinheiro real, dólar real, câmbio real, importações reais. Juro (real) é simplesmente juro, como o dinheiro, o dólar e o câmbio. O juro nominal é propaganda enganosa.
Pior: o juro (real) varia toda semana, todo mês, mas essas mudanças nunca são noticiadas. O importante não são as reuniões do Copom, mas, sim, saber o valor do juro real e quando ele vira negativo, como apontou a Folha com todas as letras.
Em 1981 o Fed aumentou o juro nominal americano, o que desencadeou a moratória da dívida e o início da década perdida. Nenhum jornalista econômico publicou corretamente o fato na época, que coincidentemente seria semelhante ao noticiado pela Folha: "Juro real americano se torna negativo com o aumento da inflação americana". O Brasil ficaria mais rico pagando juros negativos, e não mais pobre, como noticiaram os demais jornais. O juro (real) caíra, e não subira, como noticiaram.
Intelectuais como Celso Furtado, que iniciaram o movimento em prol da moratória, teriam caído no ridículo se a população tivesse sido informada da verdade. Recusar-se a pagar uma dívida quando os juros se tornam negativos ou menores é um equívoco monumental.
Outro exemplo foi a crise de 1929, causada em parte por um erro semelhante do jornalismo econômico da época. Nenhum jornal publicou em 1931 a notícia que explicaria a quebra dos bancos nos anos seguintes. "Deflação nas commodities eleva os juros (reais) de 1% para 10% ao ano". A maioria dos jornais da época publicou, como agora, que os juros nominais foram reduzidos para 2%, para evitar uma recessão! Um jornalista da época que informasse corretamente que o juro (real) subira 1 000% teria alertado leigos e estudiosos para o óbvio. Aumentar juro em 1 000%, no início de uma pequena recessão, é jogar lenha na fogueira e transformá-la numa enorme recessão – como de fato aconteceu.
Por isso, tenho o dever de aplaudir essa manchete da Folha de S.Paulo publicamente. Não é um mero detalhe ou diletantismo jornalístico, é a quebra de um paradigma de mais de setenta anos que teria evitado duas enormes recessões que atrasaram o Brasil uns vinte anos no mínimo.
Stephen Kanitz é administrador (www.kanitz.com.br)