Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 19, 2008

RUY CASTRO Girafas no zoológico

RIO DE JANEIRO - José Lino Grünewald telefonou e perguntou se eu poderia ir à redação do "Correio da Manhã" aquela noite. Queria me recomendar ao redator-chefe, Newton Rodrigues, para um estágio na reportagem do jornal. Respondi: "Que dúvida!". Era fevereiro de 1967 e eu acabara de fazer 19 anos. Trabalhar num jornal -e no "Correio da Manhã" -era o único sonho que até então tivera na vida.
O "Correio" era um reduto da inteligência brasileira e da resistência à recém-instalada ditadura militar. José Lino, que eu já conhecia havia dois anos, era editor do Segundo Caderno. Em minha cabeça piscaram os ensaios que eu escreveria sobre as candentes questões culturais da hora. No Brasil, o cinema, o teatro, a música popular e o movimento estudantil pegavam fogo. E, com a pílula à venda na farmácia da esquina, começara a "revolução sexual". Lá fora, havia os Beatles, os filmes de Godard, o LSD, a contracultura, o Poder Jovem.
Newton Rodrigues me recebeu muito bem e disse duas coisas. Primeiro, que eu trabalharia como um profissional e receberia como amador. Ou seja, trabalharia de graça. Não me importei -morava com meus pais no Flamengo, eles também fãs do "Correio", não precisava de dinheiro. Segundo, eu começaria pela reportagem geral. José Lino riu e disse que isso significava cobrir o buraco de rua, o cachorro atropelado e o nascimento da girafa no zoológico. Meu mundo caiu, mas aceitei assim mesmo.
Aconteceu que, com os choques diários entre a polícia e os estudantes, um ou outro atentado a bomba e a vinda de Kim Novak ao Rio aquele ano, nunca precisei cobrir o nascimento da girafa. Vejo agora que o casal de girafas Zagallo e Beija-Céu está se acasalando no zôo do Rio. Estou pensando em ir lá e preencher esta lacuna em minha vida profissional.

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