Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 19, 2008

Dora Kramer Vaso quebrado

Nada haveria a dizer sobre mais uma temporada de desacatos patrocinados pelo MST sob o olhar passivo do governo federal, não tivesse a nova onda ocorrido no mesmo dia em que o presidente Luiz Inácio da Silva cobrou do ministro da Defesa uma repreensão ao comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, por suas críticas à "caótica e lamentável" política indígena brasileira.


Nada de extraordinário - ao contrário - haveria no fato de o presidente da República resguardar o princípio da hierarquia militar, não ocorresse essa cobrança em pleno ambiente de quebra de legalidade e confrontação de autoridade por parte dos sem-terra e seus movimentos derivados.

A coincidência de datas torna inevitável a comparação dos atos. Evidentemente, em termos conceituais, pois não há como equiparar uma instituição fundamentada na disciplina com a atuação de grupos propositadamente organizados à margem da lei, sem identidade jurídica.

O foco, portanto, não é o cotejo entre o general e os sem-terra. A questão posta em evidência nesses dois episódios é a conduta do presidente da República frente ao princípio da autoridade e da quebra da legalidade.

O general falou na quarta-feira em palestra no Clube Militar a respeito de um assunto que conhece a fundo. Acompanha as demarcações de terras indígenas há anos e há anos alerta para a incompatibilidade entre o conceito do santuário e o processo de colonização do País tal como se dá na realidade, longe da idealização até natural de quem vê o panorama a distância.

Em meio ao conflito social e judicial provocado pela sanção presidencial à demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, e posterior suspensão da desocupação das terras ordenada pelo Supremo Tribunal Federal, o governo considerou as palavras do general um ato de quebra de hierarquia.

Já no dia seguinte, Lula mandou que o ministro da Defesa, Nelson Jobim, e o comandante do Exército, general Enzo Peri, pedissem explicações e repreendessem o comandante da Amazônia por seus excessos de oratória.

Como bem apontou o ministro Nelson Jobim, não se discute o conteúdo das opiniões do general, mas a forma. A crítica pública a uma política de governo não está entre as prerrogativas de um militar.

Cabe o reparo. Mas, o rigor presidencial com a norma não é igualitário como convém ao princípio da autoridade, que não aceita meio termo: ou vale para todo mundo ou não existe para ninguém.

Nos episódios em tela, valeu para o general, mas não valeu para o MST e seus derivados.

Assim como aos militares não é permitido o exercício da contestação, não se inclui no rol dos direitos e garantias do cidadão, das entidades e das instituições de quaisquer naturezas, a autorização para invadir propriedades, interditar estradas, depredar instalações, comandar catracas de pedágios e desacatar decisões da Justiça.

Entretanto, os grupos atuantes sob a denominação genérica de sem-terra estão plenamente autorizados a agir à margem da legalidade sem que por isso o governo se sinta ferido em sua autoridade.

Nesta semana, os sem-terra reforçaram sua rotina de transgressões, a propósito dos 12 anos de chacina de Eldorado dos Carajás. Do governo, ouviu-se a voz do ministro da Reforma Agrária, Guilherme Cassel, saudando o caráter democrático das manifestações.

Enquanto trabalhadores eram proibidos de trabalhar, motoristas impedidos de transitar por estradas bloqueadas e em mais de uma dezena de Estados ocorriam ações coordenadas de depredações e invasões, o ministro da Justiça dizia-se preocupado com "a lei". A qual legislação se referia, não esclareceu.

E o presidente da República o que fazia naquele momento? Ocupava-se em estabelecer relações entre a árvore genealógica do PAC e a ministra Dilma Rousseff, em cerimônia oficial por ela definida como "comício".

A legalidade era quebrada Brasil afora e, em Minas Gerais, o chefe da Nação dissertava em palanque sobre as causas de seu torcicolo: a alta dos juros e a derrota do Corinthians.

Bom humor e capacidade de "falar a língua do povo" são atributos positivos em governantes. Deixam de ser aceitáveis quando, de tão freqüentes, parecem usados para esconder alguma dificuldade: ou de conhecimento para abordar assuntos sérios ou de se comunicar sem recorrer a truques de padrão infantilóide e escapista, típico do paternalismo.

Ignorar os desmandos que ocorrem à volta ou amenizá-los com evasivas não neutraliza os seus efeitos. Por vezes pode até vir a potencializá-los mais adiante. Não adianta o presidente Lula fingir que não houve o barulho dos desacatos. Sendo omisso, empresta o seu aval.

Avalizando, perde força moral para cobrar respeito à disciplina e à autoridade. Seja dos sem-terra, dos aloprados ou do general.
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