Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 10, 2008

Os males do sigilo


EDITORIAL
Folha de S. Paulo
10/4/2008

Caso prevalecesse a regra da transparência nas despesas do Executivo, muito da crise do dossiê poderia ter sido evitado

DOS VÁRIOS enigmas que cercam o caso do dossiê de gastos do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, existe um especialmente relevante, que foge às atribuladas circunstâncias das investigações e desmentidos oficiais. Pode resumir-se numa questão: por que deveriam ser sigilosos os gastos pessoais de um presidente da República?
Em seu depoimento à CPI dos cartões corporativos, o ministro Jorge Félix, do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), contribuiu pouco para esclarecer essa questão. Deveriam permanecer ocultos os gastos com alimentação e bebidas no avião presidencial? "Em princípio, sim", respondeu o ministro.
Todavia, parece razoável dizer que a atual crise política, que tantas energias e tempo tem consumido do Executivo e do Congresso, poderia ter sido evitada caso prevalecesse a regra de máxima transparência possível nas despesas palacianas.
Só por um espírito de demagogia elementar alguém diria que padrões elevados de consumo não se justificam numa residência presidencial. Não faz sentido esperar que o presidente do Brasil se aloje numa casa operária, ou que receba seus visitantes com uma dieta, digamos, à base de tapioca. Entre a despesa adequada ao cargo e o abuso principesco há, por certo, uma diferença, que só a ausência de sigilo permitiria dimensionar.
Se há risco para a segurança das autoridades, este residiria, em última hipótese, na informação sobre a origem dos fornecedores dos bens adquiridos, ou no que se poderia deduzir a respeito da agenda de deslocamentos do presidente da República e de sua comitiva. Nada que não pudesse, depois de um certo prazo, ser exposto ao conhecimento público, ou cercar-se de precauções técnicas mais sofisticadas que o sigilo absoluto.
Fonte muito maior de instabilidade e de prejuízo ao interesse público tem sido, em todo caso, a guerrilha de informações e vazamentos em que oposição e governo se emaranharam a propósito de despesas que, pelo que se conhece, nada tiveram de anormal. Depois de um abuso notório -o da ex-ministra da Igualdade Racial, Matilde Ribeiro-, o debate perdeu-se em diversos desvãos de insensatez.
Intentou-se até a exploração do preconceito contra Lula, um ex-sindicalista que agora tem sua rotina regada aos néctares reservados a outra classe. O governo reagiu com um dossiê destilado nos escaninhos menos límpidos da Casa Civil: que fosse apenas um expediente preventivo para reagir na mesma moeda, vá lá.
Mas que se pretenda a todo custo manter o sigilo do atual presidente, enquanto se jura inocência no caso do dossiê, eis uma contradição evidente do ponto de vista da ética política. Não há outra maneira de saná-la a não ser pela regra da mais ampla transparência. O país seria poupado, sem dúvida, dos lastimáveis efeitos de um entrevero que o paralisa, enquanto moralismos falsos e maquiavelismos de gabinete se engalfinham inextricavelmente.

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