Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 19, 2008

O chá vira bebida de luxo

A nova cerimônia do chá

Os gourmets adotam a bebida, importada
da Ásia, numa infinidade de tipos e sabores


Paula Neiva

Paulo Vitale
Com efeitos especiais
A modelo Ana Claudia Michels, fã de chá desde que foi ao Japão, toma uma xícara do tipo que se transforma em flor ao ser mergulhado na água quente (à dir., em destaque)


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Quadro: As estrelas do bule

O chá é parte integrante da cultura de países em todos os quadrantes. Os ingleses consomem 165 milhões de xícaras da bebida por dia – uma média de três por habitante. No Japão, a cerimônia do chá, criada no século XV, pode durar quatro horas e hoje é uma instituição nacional. No Brasil, não vai longe o tempo em que o produto tinha fama de bebida para doentes, recomendada para gripe ou indisposição. Não é mais assim. Nos últimos anos, a busca dos brasileiros por hábitos mais saudáveis consagrou o chá como alternativa ao café. O consumo dessa bebida no país, ingerida quente ou gelada, cresceu 45% entre 2005 e 2007. A prova do sucesso se dá agora com a cooptação do chá pelo chamado mercado do luxo. Nas principais cidades brasileiras, os restaurantes e supermercados finos passaram a oferecer enorme variedade de chás de alta qualidade e preço nas alturas. Alguns deles vêm com efeitos especiais. O Flowering Tea, feito na China, é composto de folhas de chá costuradas a mão e uma flor oculta. Quando se mergulha o conjunto em água quente, a flor desabrocha. O Zhvan-cha é uma tábua de chá preto prensado. Originalmente era usado nas peregrinações dos monges tibetanos. Para saboreá-lo, é preciso raspar um pedacinho da tábua e, caso se tenha a intenção de ser fiel aos hábitos tibetanos, fazer a infusão acrescentando depois manteiga. Menos excêntricos, chás tradicionais do Oriente são vendidos a granel. Os mais apreciado são processados artesanalmente na Índia, na China, no Japão e no Sri Lanka. Alguns tipos de Darjeeling, produzido na região homônima da Índia e considerado o champanhe dos chás, custam 150 reais a embalagem de 50 gramas. Quem trabalha com chá de luxo costuma vender os acessórios para o preparo da bebida. Esqueça os bules de porcelana da vovó. Requintado mesmo é ter um bule com fogareiro alemão da marca Mono, feito de aço, que custa no Brasil a bagatela de 1 400 reais.

Nos últimos cinco anos, a venda de chás de luxo dobrou no Brasil. Calcula-se que o segmento represente hoje 5% do mercado da bebida do país. "Há quase dez anos, quando abri a primeira loja especializada em chás de alto padrão, diziam que eu era louca. Mas hoje o brasileiro começou a incorporá-los ao cardápio", diz a gaúcha Carla Saueressig, proprietária da casa A Loja do Chá, em São Paulo. Em Curitiba, a The Kettle, casa aberta um ano atrás, usa chás finos em receitas como o tortellini de abóbora e o raviolini de pastrami com molho roti. "Recebemos muitos clientes curiosos sobre a aplicação do chá na culinária", diz a alemã Barbara Ramina, proprietária da casa. De acordo com os especialistas, o crescimento dos nichos dos chás de luxo foi estimulado também pela expansão de outro filão: o dos cafés gourmet, mais caros e exclusivos que os tradicionais. No caso do chá, é comum misturar as folhas com vários tipos de planta, flor, fruta ou tempero para obter novos aromas e sabores. São os chamados chás aromatizados. Um dos mais caros é o chinês Jasmine Dragon Pearl, conhecido como o chá dos imperadores. São bolinhas de folhas de chá, enroladas a mão junto com pétalas de jasmim, que se abrem em contato com a água quente. "Os chás especiais são hoje um sucesso no mundo inteiro porque proporcionam uma experiência com a cultura gastronômica de outros países", diz o importador Ezequiel Lemos, que fornece diferentes tipos de chá para restaurantes e delicatessen. A modelo catarinense Ana Claudia Michels, de 26 anos, é apaixonada por chás desde os 14, quando morava em Nova York e foi ao Japão a trabalho. Ela costumava trazer os chás de suas viagens ao exterior, mas agora os compra no Brasil. "Faço um bule de manhã para durar o dia todo", diz.

Paulo Vitale

O aroma dos negócios
O empresário Koloszuk e a administradora Luciana em um encontro na hora do chá: novo tipo de reunião de negócios

Para que uma bebida receba o nome de chá, é necessário que seja produzida com as folhas da planta Camellia sinensis, originária da Ásia. Com ela, podem-se obter vários tipos de chá. Os principais são o preto, o branco e o verde, além do semifermentado, cujas características variam de acordo com o grau de fermentação das folhas. A fermentação é um processo natural de oxidação das folhas da bebida. Quanto maior o tempo de fermentação, mais forte fica o chá. Para interromper o processo, usa-se calor. O chá preto apresenta maior grau de fermentação, o que lhe confere gosto e cor mais intensos. No branco, a fermentação é bloqueada no estágio inicial. Já o chá verde não passa por fermentação, o que o deixa leve e claro. "Para os iniciantes, costumo recomendar chás verdes aromatizados, bem florais, pois são mais fáceis de apreciar", diz Paula Simonsen, especialista em chás do Hotel Emiliano, em São Paulo, cujo restaurante dispõe de um cardápio com cerca de setenta opções da bebida.

O sucesso dos chás de luxo criou um novo hábito entre executivos. Consiste em marcar reuniões de trabalho durante a tarde diante de uma mesa de chá, como se faz com o almoço e o café-da-manhã. Na semana passada, um encontro desse tipo juntou o empresário Ronaldo Koloszuk e a administradora de empresas Luciana Panteleiciuc num hotel de São Paulo. "O convite para um chá, por ser inusitado, ajuda a quebrar o gelo na conversa", diz Koloszuk. O chá de negócios é mais um dos inúmeros rituais organizados em torno da bebida ao longo da história desde que ela começou a ser consumida, na China, há mais de 2 000 anos. No século I, era comum enviar os melhores chás aos imperadores chineses como forma de homenageá-los. O chá só chegou à Europa no fim do século XVI, pelas mãos de navegadores portugueses e holandeses. Nos Estados Unidos, o produto foi o estopim de um episódio famoso ligado ao processo de independência do país da Inglaterra, a Revolta do Chá. Em 1773, indignados com a obrigação de pagar pesados impostos à coroa inglesa, os colonos americanos invadiram três navios mercantes britânicos e jogaram ao mar 40 toneladas de chá. Uma anedota da época dizia que, por muitos meses, os peixes tirados da costa americana tinham sabor de chá. Mais tarde, no início do século XX, os americanos inventaram o chá em saquinhos. Com a chegada do chá ao mercado de luxo, histórias como essas certamente vão animar as rodas de conversa em torno de bules fumegantes.





Fotos Pedro Rubens/Divulgação
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