Cientistas comprovam uma antiga teoria:
a de que o exercício altera a química
cerebral e causa euforia nos atletas
Duda Teixeira
Reuters |
Adriano Bastos, após vencer a Maratona da Disney, em janeiro: bem-estar o dia todo |
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Existe uma sensação de que todos os corredores já ouviram falar e que muitos deles já experimentaram. Alguns a descrevem como um sentimento de euforia que surge durante ou logo após o esforço físico. Outros falam de um bem-estar prolongado que aparece após um treinamento e pode durar um dia inteiro. Quase quatro décadas atrás, quando essa sensação começou a ser estudada, pesquisadores americanos a batizaram de "runner’s high", expressão que pode ser traduzida como "o barato do corredor". A razão disso sempre foi um mistério. Uma hipótese era a de que o responsável pelo barato do corredor fosse a endorfina, neurotransmissor produzido no cérebro e liberado para a corrente sanguínea em momentos de stress. Em exames feitos após a malhação, verificou-se que os níveis dessa substância no sangue duplicam. Seria natural imaginar que a endorfina também modificasse o humor do corredor. Contudo, como existe uma barreira física que impede o retorno da substância ao sistema nervoso central, a teoria passou anos sem comprovação. Muitos pesquisadores até acreditavam que o barato da corrida fosse simplesmente uma ilusão. Sabe-se agora que é real.
Estudo realizado por uma equipe conjunta da Universidade de Bonn e da Universidade Técnica de Munique comprovou pela primeira vez que a atividade física também provoca aumento da quantidade de endorfina dentro do cérebro. Os exames de tomografia foram feitos em dez atletas, antes e depois de realizarem corridas com duas horas de duração. As imagens revelaram que parte das endorfinas produzidas pelo cérebro permanece por ali, agindo no sistema límbico e no lobo pré-frontal, áreas responsáveis pelo prazer e pelas emoções. "Ao atuar nessas regiões, a endorfina promove uma sensação parecida com a de ouvir uma música empolgante ou se apaixonar", disse a VEJA o médico alemão Henning Boecker, coordenador do estudo e ele próprio um corredor.
O próximo passo será tentar repetir o estudo e comprovar a existência de outra substância, a anandamida. Enquanto a endorfina seria responsável pelo sentimento de euforia, a anandamida relaxaria o atleta, produzindo um efeito mais longo, capaz de durar várias horas. "O estudo alemão confirmou uma antiga hipótese, mas ainda é preciso estudar as outras, que também precisam de comprovação", diz a especialista em psicobiologia Hanna Karen, que estuda as mudanças de humor em atletas na Universidade Federal de São Paulo.
Ana Araújo |
A triatleta Aglaé Menezes: técnica para usufruir a sensação |
Apesar de os corredores levarem a fama, o barato é comum entre aqueles que praticam atividades aeróbicas de baixa intensidade por períodos superiores a meia hora. Nadadores, triatletas e ciclistas relatam sensações parecidas. "Sinto a euforia assim que subo na bicicleta e o vento bate no meu rosto", diz a triatleta Aglaé Menezes, de Brasília. Campeã brasileira de triatlo de longa distância no ano passado, em Vitória, ela criou até uma forma de aproveitar essa sensação após os treinos da manhã. Ao chegar em casa, Aglaé coloca roupas confortáveis e se deita na cama. "Fico curtindo ali por uns vinte minutos. Às vezes até durmo um pouquinho", diz ela, que treina seis dias por semana. O maratonista paulistano Adriano Bastos também é consciente do barato do corredor. "Correr por muito tempo causa uma felicidade incrível", diz o atleta, que em janeiro conquistou pela quinta vez a Maratona da Disney, nos Estados Unidos. "Depois de uma prova ou um treino, é como se eu tivesse devorado um enorme prato de feijoada com cerveja. Fico relaxado pelo resto do dia."
A descoberta de que o cérebro dos corredores e atletas funcionava de maneira diferente do de um sedentário ocorreu de forma quase acidental durante a realização, em uma universidade americana, de um estudo sobre o impacto da privação de exercício no sono. O primeiro indício de algo inesperado foi a dificuldade encontrada por Frederick Baekeland, o cientista responsável pelo trabalho, em recrutar voluntários. A idéia inicial era pedir a pessoas que se exercitavam de cinco a seis vezes por semana que ficassem de molho por um mês. Mesmo oferecendo dinheiro, foi impossível completar o número mínimo de cobaias exigido pelo rigor científico. Baekeland, então, afrouxou a exigência e convocou pessoas que corriam de três a quatro vezes por semana. Privados das corridas por um mês, os voluntários relataram ansiedade, problemas sexuais e interrupções no sono. O quadro encontrado descrevia uma síndrome de abstinência, semelhante à experimentada por viciados em drogas. O assunto, a partir desse momento, passou a preocupar muitos médicos. Em outros trabalhos, atletas diziam que deixavam de comparecer a eventos familiares e outros compromissos para ir aos treinos. Uma pesquisa de 1992 mostrou que 72% dos atletas afirmavam se sentir tensos, irritados ou deprimidos quando havia interrupção dos treinos. "O barato do esporte é um efeito muito positivo e agradável, que estimula sua prática", diz Hanna Karen. "O único problema é saber dosá-lo para não se tornar um dependente."
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