Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 19, 2008

Índios forjam seqüestro de representante da ONU

Seqüestro fajuto

Filmes e fotos mostram que o seqüestro de um representante
da ONU por índios cintas-largas foi uma farsa


José Edward

Fotos Divulgação
David Martín Castro, da ONU, tomando banho de rio durante o "cativeiro". Outro "refém", o procurador Trindade (à dir.) usa celular dos índios. Ao centro, Nacoça: agora, ele é cacique da Funai

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Os cintas-largas, de Rondônia, estão entre as etnias indígenas mais hostis do Brasil. Em 2004, eles massacraram 29 garimpeiros a tiros, flechadas e pauladas. Com esse histórico, não tiveram dificuldade em ganhar as páginas dos jornais do mundo inteiro, em dezembro do ano passado, quando anunciaram o seqüestro de um membro do Alto Comissariado de Direitos Humanos da ONU, um procurador da República e outras três pessoas. Para libertá-los, o presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Márcio Meira, acorreu até a Reserva Roosevelt, onde ficam suas aldeias, e se comprometeu a atender às reivindicações dos cintas-largas. Na semana passada, VEJA teve acesso a vídeos, fotos e documentos que mostram que o tal seqüestro não passou de uma farsa montada pelos índios com a conivência do procurador Reginaldo Trindade, um dos pretensos reféns. A maior parte do material foi produzida pelos índios. Nele, está uma declaração registrada em cartório pelo cacique Alzak Cinta-Larga, na qual relata que o procurador Trindade se dispôs a ir até a reserva "por sua livre e espontânea vontade" e a ficar lá "até o comparecimento do presidente da Funai".

A declaração é amparada pelas imagens produzidas pelos cintas-largas nos quatro dias que durou o suposto seqüestro. Nelas, os reféns aparecem livres, leves e soltos. Numa das cenas, que ilustra esta página, vê-se o funcionário da ONU, o espanhol David Martín Castro, muito satisfeito, tomando banho de rio com seus supostos carcereiros. No dia em que deixou a reserva, Martín Castro fez um discurso emocionado em homenagem a seus anfitriões. "Agradeço pelas ‘picanha’ e pela festa", disse. As "picanha" às quais ele se referiu vieram de bois abatidos – um por dia – pelos índios para comemorar sua "visita" à aldeia. Depois do discurso, ao som de palmas e brados de felicitação, os cintas-largas presentearam o espanhol com um colar. O procurador Reginaldo Trindade recebeu tratamento semelhante. Os cintas-largas o hospedaram, juntamente com sua mulher, em uma casa reservada apenas a caciques. Permitiram que ele se comunicasse com o mundo exterior e até deixaram à sua disposição um telefone celular Globalstar. Apesar da mordomia, Trindade nega que o suposto seqüestro tenha sido fruto de um complô. "Não sei dizer se foi seqüestro ou não. O fato é que tivemos nossa liberdade de ir e vir restringida", diz o procurador.

O principal problema da Reserva Roosevelt é a extração ilegal de diamantes. Os cintas-largas trucidaram os 29 garimpeiros em 2004 porque suspeitaram que eles não estivessem pagando corretamente pelas pedras. Até hoje, ninguém foi punido pelos assassinatos. Um dos motivos da demora é o fato de o Ministério Público ter solicitado um laudo antropológico para atestar se os índios tinham consciência do que estavam fazendo. Mas, desde então, a Polícia Federal não sai dos limites da reserva. Para libertarem os reféns fajutos, os cintas-largas exigiram que os policiais deixassem suas fronteiras e que um de seus caciques fosse nomeado representante da Funai na região. Em janeiro, Márcio Meira, presidente da fundação, nomeou para o cargo o cacique Nacoça Cinta-Larga, um dos indiciados pelos assassinatos dos garimpeiros. Como se vê, esse Nacoça só não é paçoca porque as autoridades da região pouco fazem para impor o respeito às leis.

Um dos filmes obtidos por VEJA mostra o procurador Trindade, em 2005, em uma reunião com a etnia suruí, também de Rondônia. No encontro, ele diz que sabe que os cintas-largas exploram pedras preciosas e que os suruís extraem madeira ilegalmente. "Quem não sabe que nos cintas-largas está tendo garimpagem ilegal? Agora, eu tenho condição de ir à Justiça, conseguir uma ordem judicial, baixar o Exército e a Polícia Federal lá e botar tudo abaixo?" De acordo com a lei, é justamente isso que Trindade deveria fazer. Mas ele optou por outro caminho. "Sei das dificuldades econômicas de vocês e que vocês estão cansados de só ouvir promessas", diz ele, ao explicar por que deixava os suruís agir como criminosos. Ouvido por VEJA, Trindade nega que tenha chancelado acordos para exploração ilegal de diamantes ou madeira. As imagens obtidas pela reportagem revelam que ele não é o único a ser conivente com os índios. Representantes da Funai e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), que têm a obrigação de proteger a floresta, também participaram dos encontros em que foi "aprovada" a exploração ilegal de madeira. Em um dos filmes, um líder suruí conta que eles aprenderam a explorar madeira ilegalmente em 1986 e que seu professor foi o atual líder do governo no Senado, Romero Jucá, na época presidente da Funai. Desde então, a atividade prosperou. Hoje, com a conivência das autoridades, os suruís vendem trinta caminhões de toras de madeira por dia.

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