Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, abril 11, 2008

Míriam Leitão - A contra-reforma


PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
11/4/2008

O Congresso vive travado com as MPs; quando destrava, é para aumentar o gasto ou a insensatez da política brasileira. Foi assim na noite de quarta-feira quando, por unanimidade, o Senado aprovou projeto do senador Paulo Paim acabando com o fator previdenciário e estendendo a todos os aposentados o mesmo reajuste do salário mínimo. Essa contra-reforma da Previdência custa vários bilhões e um retrocesso.

O ex-ministro da Previdência José Cechin acha que as medidas, se aprovadas na Câmara, serão um desastre.

- O maior custo é ser isto: uma contra-reforma que anula o que se conseguiu mudar em 1998. No ano passado, aposentaram-se 200 mil pessoas. Sem o fator previdenciário, poderiam ser, pelo menos, 300 mil, e, aos poucos, isso inflaria o número de aposentados, porque seria um incentivo à aposentadoria. Se a outra medida, a que estende aos aposentados que ganham acima do mínimo o mesmo critério do reajuste do mínimo, também fosse aprovada, haveria um gasto extra de R$5,7 bilhões por ano para a Previdência, só no primeiro ano - diz ele.

Outros especialistas ouvidos pela coluna e pelo blog mostram contas na mesma proporção. O economista Marcelo Caetano, do Ipea, diz que, se a idéia de reajuste com inflação mais PIB valesse para todos, o custo seria de R$2,8 bilhões só este ano; se fosse aprovada hoje. Em 2009, pularia para R$10,6 bilhões e, em 2010, para R$16 bilhões. É que o percentual sempre incide sobre o montante total: o custo crescerá em proporção geométrica.

O Brasil é um país de jovens; só 6% da população têm mais de 65 anos, mas 13% da população estão aposentados, e a Previdência já é deficitária. Essa é a preocupação de quem fica batendo na tecla antipática de que é preciso reforma. O país resiste como pode a qualquer proposta de reforma e, mesmo quando tudo parece resolvido, vem a velha lei brasileira de que até o passado é incerto. O fator previdenciário foi derrubado assim, sem mais nem menos, por unanimidade, num Senado onde a oposição é mais forte; a mesma oposição que, um dia, lutou e implantou o fator previdenciário. Agora vai à Câmara. Mas, num ano eleitoral, a tentação da demagogia é enorme. Depois vai à sanção presidencial, mas um presidente que vetou fiscalização em dinheiro de sindicato pode ficar tentado a deixar passar.

- A expectativa na Câmara é favorável e vamos conversar para sensibilizar o presidente para que ele não vete o projeto - diz o senador Paulo Paim, o autor da proposta.

O Brasil precisava de mais - e não menos - reforma da Previdência. É um dos poucos países onde não há idade mínima de aposentadoria. O tempo de serviço é, muitas vezes, comprovado com fraude, e os realmente pobres nunca podem comprovar. O fator previdenciário foi uma forma de atenuar os desvios do incentivo à aposentadoria num país de jovens.

O fator foi feito para desestimular as pessoas a se aposentarem em idade produtiva. Alguém que tenha 35 anos de trabalho, se quiser se aposentar com 51 anos, receberá apenas 63% da média dos maiores salários de 1994 para cá. Se esperar mais dois anos, receberá um percentual maior, e daí por diante. O fator corrige a tabela pela expectativa de vida calculada pelo IBGE.

Tanto Marcelo Caetano quanto José Cechin dizem que, se for aprovado, será um incentivo imediato à aposentadoria. Marcelo Caetano acha que haverá uma corrida para se aposentar aproveitando a brecha criada pela derrubada do fator. Isso sem falar na criação de um novo esqueleto, porque quem se aposentou entre 1998 e 2008 vai querer retroativamente os mesmos direitos.

- O montante desse passivo para a União seria incalculável - afirma Marcelo.

Para o senador Paulo Paim o custo é "pequeno". Ele é especialista em subestimar o custo de propostas generosas que manda o Estado pagar; diz que vai custar "apenas" R$3,5 bilhões e que só afetará os menores salários, "até R$3.200", que, a propósito, é o teto do INSS. Na verdade, como fica claro na conversa com qualquer especialista, há vários custos decorrentes das decisões.

Hoje o INSS tem um custo de 7,2% do PIB. Em 1998, era de 5,2%. E isso sem falar na previdência dos funcionários públicos. No ano passado, os gastos com o INSS chegaram a R$185 bilhões.

- O gasto com o INSS cresceu 2 pontos percentuais do PIB mesmo sendo o Brasil um país de população jovem. Se essa lei for aprovada, essa relação vai crescer muito rápido - diz Marcelo Caetano.

Outro especialista acha que poderia chegar a 7,9% do PIB em 2009.

Este é assunto delicado, que se presta a todo tipo de demagogia. O próprio PT sempre jogava "os velhinhos" contra o governo Fernando Henrique quando isso vinha à tona, mas, quando chegou ao poder, propôs uma reforma para a previdência pública que não teve ainda coragem de regulamentar. Quem quer ser popular não defende essa idéia. Mas o tema precisa ser enfrentado com coragem, em defesa das futuras gerações de brasileiros e da racionalidade do gasto público. É um espanto que quem tem a responsabilidade de governar o Brasil e quem já teve essa responsabilidade se juntem na calada da noite para aprovar, de forma oportunista, idéia tão insensata.

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