A tocha olímpica iluminou um ponto relevante: o mundo rejeita o modelo político chinês. A maneira como os demais governos se curvam diante do poder econômico da China dá a impressão de que uma ditadura que permita bons negócios é aceitável.
As ruas dizem não. Mas há avanços no processo político chinês, como explica um professor da Universidade de Tsinghua.
Na longa marcha da tocha, a imagem chinesa vem sofrendo ataques, e vai se apagando a idéia de que uma ditadura lucrativa é tolerável.
O sofrimento do Tibete aguça a rejeição. Na livre e bela São Francisco, nos Estados Unidos, ficou claro o divórcio entre os manifestantes pedindo liberdade na China e no Tibete e as autoridades americanas querendo encurtar o constrangimento chinês.
Mas alguma coisa acontece também na China.
“What they talk about when they talk about Democracy”, ou “Do que eles falam quando eles falam de democracia”; com esse instigante título, foi publicado, na “Foreign Affairs” do primeiro bimestre do ano, um ensaio de John Thornton, professor da Universidade de Tsinghua, sobre o que vem acontecendo na China profunda.
Ele baseou seu artigo em impressões que colheu durante 14 meses de conversas com líderes políticos do Comitê Central do Partido Comunista, funcionários graduados do governo, professores, juízes, advogados, jornalistas e líderes de ONGs. Existe o que se pode chamar de um processo eleitoral chinês. Só que as eleições chinesas são mais livres quanto mais remoto é o vilarejo e estão menos livres agora do que foram no final dos anos 1980.
“A China evidentemente não é uma democracia. O Partido Comunista chinês tem o monopólio do poder político, e, no país, faltam liberdade de imprensa, Judiciário independente e outros atributos fundamentais de um sistema liberal e pluralístico”, esclarece o professor, em seu artigo.
Feito o ponto, conta histórias interessantes: ao fim da coletivização e após a anarquia da revolução cultural, as autoridades chinesas permitiram processos de escolhas populares de líderes nos vilarejos e nas pequenas cidades. Não foi pouca gente que recebeu esta permissão de votar nos líderes locais: são 700 mil vilarejos, aldeias onde moram 700 milhões de chineses.
Mas mesmo esse incipiente e rural início de democracia foi contido quando se percebeu, no começo dos anos 90, que, livres para escolher, os camponeses haviam eleito 60% dos seus líderes fora dos quadros do Partido Comunista. Hoje 90% dos líderes do interior nas regiões produtoras mais prósperas são do PC.
As mais remotas ainda têm alguma liberdade de escolha; nelas, o controle comunista cai para 60% a 70%.
Para o mandado de 20062007, a imprensa oficial registrou que 296 chefes de governos municipais em 16 províncias foram escolhidos pelo voto direto.
A revolução cultural devastou o arcabouço legal.
Em 1980, a China era um país sem leis e códigos legais.
De lá para cá, foram aprovados 250 novos códigos legais, e o número de causas aceitas multiplicouse por dez. Naquela época, os juízes e promotores eram militares. Nos últimos anos, as universidades vêm formando profissionais do direito que vão ocupando os postos. De 1990 para cá, um pré-requisito não escrito tem sido seguido nas nomeações de juízes: ter mestrado em direito. Nos anos 80, os advogados eram todos empregados do governo.
A primeira cooperativa privada surgiu em 1988. Hoje existem 12 mil firmas onde trabalham 118 mil advogados licenciados. Claro, os líderes do Partido Comunista interferem nas sentenças, e o governo decide as questões “sensíveis”, mas, desde 1999, oficialmente, a China é um país “governado pelas leis”. É o que está na lei. Seja lá o que isso signifique.
A imprensa não é livre, mas a internet, à qual 200 milhões de chineses têm acesso, está tornando o controle mais difícil. Algumas publicações não estatais vão se firmando ao descobrir que o jornalismo investigativo vende. Em 2002, um repórter veterano do “China Economic Times” escreveu um artigo baseado em profunda apuração sobre o sistema de licença de táxi de Pequim. Com o conluio entre os donos das companhias e os órgãos supervisores, os taxistas eram obrigados a trabalhar por um tempo excessivo e salários aviltantes. O jornal se esgotou rapidamente. O Escritório Central de Propaganda proibiu a reprodução da matéria. O Escritório de Transporte da cidade proibiu que os taxistas lessem a matéria. Motoristas entrevistados receberam ameaça de morte, e o autor teve que contratar guarda-costas. Mas o texto se espalhou pela internet e, oito dias depois, o então vice-primeiro-ministro Wen Jiabao — hoje primeiro-ministro — divulgou uma declaração oficial apoiando os taxistas. Campanhas são feitas por internet ou pelo telefone celular, seguidas de manifestações populares, como a que interrompeu a construção de uma indústria química em Xiamen.
Chineses hoje têm permissão para viajar a lazer, estudos ou negócios.
Empresas com ações listadas fora do país têm que ter mais transparência. As autoridades descobriram uma vantagem: essa incipiente liberdade ajuda a combater a corrupção.
O ritmo da democratização chinesa é tão lento que a nossa “lenta e gradual” abertura fica parecendo um trem-bala. O período mais intenso de fermentação política, quando a democracia era debatida dentro do governo, em think tanks, universidades, rodas de intelectuais e estudantes e tomou com alegria as praças, foi em 1989. Sobre aquele breve sonho, abateu-se a tragédia de Tiananmen.
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
Arquivo do blog
-
▼
2008
(5781)
-
▼
abril
(535)
- FH: Terceiro mandato desmoralizaria Lula e abriria...
- Preços congelados-Reunião do governo sobre gasolin...
- Villas-Bôas Corrêa A sacudidela na oposição
- Everardo Maciel -O pragmatismo como instumento de ...
- AUGUSTO NUNES- O cinqüentão maluquinho
- Clipping Folha de S. Paulo
- Vamos acordar?- Antonio Delfim Netto
- A outra morte anunciada - Alexandre Schwartsman
- Clóvis Rossi - De palavrões à derrota
- Clipping Valor Econômico
- Clipping O Estado de S. Paulo
- A compostura já perdeu a eleição paulistana - José...
- Celso Ming - Petrobrás, efeito Argentina
- Dora Kramer - No altar do próprio umbigo
- Clipping O Globo
- Merval Pereira - O princípio e o fim
- Míriam Leitão - O mundo e a fome
- Luiz Garcia - A duração do horror
- Invasão bilionária
- Míriam Leitão - Efeitos do petróleo
- Merval Pereira - Sinais
- Dora Kramer - A pauta do "povo"
- Clipping 29/04/2008
- Clipping de 28/04/2008
- Clipping do dia 27/04/2008
- Clipping do dia 26/04/2008
- Mariano Grondona
- Joaquín Morales Solá
- Miriam Leitão O velho e o novo
- Merval Pereira Protecionismo
- FERREIRA GULLAR
- DANUZA LEÃO
- CLÓVIS ROSSI
- Discutir a relação
- ''O mestre do inusitado e da sugestão''
- João Ubaldo Ribeiro Itaparica e a questão amazônica
- Daniel Piza
- Alberto Tamer Brasil agrícola incomoda o mundo
- Ethevaldo Siqueira
- Mailson da Nóbrega A difícil marcha para o capital...
- Celso Ming O pior já passou?
- Suely Caldas Ricos e pobres na crise de alimentos
- Dora Kramer Não basta julgar
- As ONGs do bem e do mal
- Raposa Serra do Sol e a soberania nacional
- Relatório mostra que Exército tem de pedir autoriz...
- Empresário denuncia lobby de advogado-
- A pobre e superprotegida Amazônia-Ruy Fabiano (Nob...
- Adriana Vandoni OS RISCOS REAIS SÃO OUTROS
- ELIANE CANTANHÊDE Bolsa Vizinhos
- Miriam Leitão Ocaso da fronteira
- Merval Pereira Visões do poder
- HELIO JAGUARIBE
- Celso Ming Mais uma escassez
- Dora Kramer De empadas e azeitonas
- VEJA Carta ao leitor
- VEJA Entrevista: Edmund Phelps
- Lya Luft
- RADAR
- J. R. Guzzo
- André Petry
- Diogo Mainardi
- Roberto Pompeu de Toledo
- O álcool brasileiro não tem culpa na alta dos alim...
- Índios O conflito em Roraima
- Ciro Gomes e a conspiração da vez
- Eleições americanas Nuvens negras no horizonte d...
- Paraguai O que esperar do novo presidente
- Caso Isabella: defesa acuada
- A prisão do advogado Ricardo Tosto
- Europa libera celulares a bordo
- As células-tronco e o tratamento de males do coração
- O acúmulo de informações no mundo digital
- O terremoto no sudeste do país
- Sociedade A poderosa Ana Paula Junqueira
- Tecnologia Lançado o primeiro microprojetor de ...
- Especial A importância de uma dieta equilibrada
- Ginástica: sem esforço, não dá
- Bons de ter em casa
- Homem de Ferro, com Robert Downey Jr.
- O Sonho de Cassandra, de Woody Allen
- Pós-Guerra, de Tony Judt
- O anjo da História
- Clipping 25/04/2008
- Nós, os imperialistas
- Mais inchaço no gasto público
- Celso Ming - O arroz ameaçado
- Dora Kramer - Homem trabalhando
- Clóvis Rossi - De pé contra a morte
- Eliane Cantanhede - Pós-terremoto
- Merval Pereira - O PT hegemônico
- Míriam Leitão - Tempos incertos
- Operação da PF prende o advogado Ricardo Tosto. Ac...
- A MENTIRA PROPAGADA POR UMA ONG
- FHC entra em lista de 100 maiores intelectuais do ...
- A defesa do bom etanol
- Merval Pereira - Dilema americano
- Míriam Leitão - Hora da mesa
- Eliane Cantanhede - Balança, mas não cai
- Dora Kramer - Com o pé no tubo
-
▼
abril
(535)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA