Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 13, 2008

Miriam Leitão À luz da tocha

A tocha olímpica iluminou um ponto relevante: o mundo rejeita o modelo político chinês. A maneira como os demais governos se curvam diante do poder econômico da China dá a impressão de que uma ditadura que permita bons negócios é aceitável.
As ruas dizem não. Mas há avanços no processo político chinês, como explica um professor da Universidade de Tsinghua.

Na longa marcha da tocha, a imagem chinesa vem sofrendo ataques, e vai se apagando a idéia de que uma ditadura lucrativa é tolerável.
O sofrimento do Tibete aguça a rejeição. Na livre e bela São Francisco, nos Estados Unidos, ficou claro o divórcio entre os manifestantes pedindo liberdade na China e no Tibete e as autoridades americanas querendo encurtar o constrangimento chinês.
Mas alguma coisa acontece também na China.
“What they talk about when they talk about Democracy”, ou “Do que eles falam quando eles falam de democracia”; com esse instigante título, foi publicado, na “Foreign Affairs” do primeiro bimestre do ano, um ensaio de John Thornton, professor da Universidade de Tsinghua, sobre o que vem acontecendo na China profunda.

Ele baseou seu artigo em impressões que colheu durante 14 meses de conversas com líderes políticos do Comitê Central do Partido Comunista, funcionários graduados do governo, professores, juízes, advogados, jornalistas e líderes de ONGs. Existe o que se pode chamar de um processo eleitoral chinês. Só que as eleições chinesas são mais livres quanto mais remoto é o vilarejo e estão menos livres agora do que foram no final dos anos 1980.

“A China evidentemente não é uma democracia. O Partido Comunista chinês tem o monopólio do poder político, e, no país, faltam liberdade de imprensa, Judiciário independente e outros atributos fundamentais de um sistema liberal e pluralístico”, esclarece o professor, em seu artigo.

Feito o ponto, conta histórias interessantes: ao fim da coletivização e após a anarquia da revolução cultural, as autoridades chinesas permitiram processos de escolhas populares de líderes nos vilarejos e nas pequenas cidades. Não foi pouca gente que recebeu esta permissão de votar nos líderes locais: são 700 mil vilarejos, aldeias onde moram 700 milhões de chineses.

Mas mesmo esse incipiente e rural início de democracia foi contido quando se percebeu, no começo dos anos 90, que, livres para escolher, os camponeses haviam eleito 60% dos seus líderes fora dos quadros do Partido Comunista. Hoje 90% dos líderes do interior nas regiões produtoras mais prósperas são do PC.

As mais remotas ainda têm alguma liberdade de escolha; nelas, o controle comunista cai para 60% a 70%.

Para o mandado de 20062007, a imprensa oficial registrou que 296 chefes de governos municipais em 16 províncias foram escolhidos pelo voto direto.

A revolução cultural devastou o arcabouço legal.

Em 1980, a China era um país sem leis e códigos legais.

De lá para cá, foram aprovados 250 novos códigos legais, e o número de causas aceitas multiplicouse por dez. Naquela época, os juízes e promotores eram militares. Nos últimos anos, as universidades vêm formando profissionais do direito que vão ocupando os postos. De 1990 para cá, um pré-requisito não escrito tem sido seguido nas nomeações de juízes: ter mestrado em direito. Nos anos 80, os advogados eram todos empregados do governo.

A primeira cooperativa privada surgiu em 1988. Hoje existem 12 mil firmas onde trabalham 118 mil advogados licenciados. Claro, os líderes do Partido Comunista interferem nas sentenças, e o governo decide as questões “sensíveis”, mas, desde 1999, oficialmente, a China é um país “governado pelas leis”. É o que está na lei. Seja lá o que isso signifique.

A imprensa não é livre, mas a internet, à qual 200 milhões de chineses têm acesso, está tornando o controle mais difícil. Algumas publicações não estatais vão se firmando ao descobrir que o jornalismo investigativo vende. Em 2002, um repórter veterano do “China Economic Times” escreveu um artigo baseado em profunda apuração sobre o sistema de licença de táxi de Pequim. Com o conluio entre os donos das companhias e os órgãos supervisores, os taxistas eram obrigados a trabalhar por um tempo excessivo e salários aviltantes. O jornal se esgotou rapidamente. O Escritório Central de Propaganda proibiu a reprodução da matéria. O Escritório de Transporte da cidade proibiu que os taxistas lessem a matéria. Motoristas entrevistados receberam ameaça de morte, e o autor teve que contratar guarda-costas. Mas o texto se espalhou pela internet e, oito dias depois, o então vice-primeiro-ministro Wen Jiabao — hoje primeiro-ministro — divulgou uma declaração oficial apoiando os taxistas. Campanhas são feitas por internet ou pelo telefone celular, seguidas de manifestações populares, como a que interrompeu a construção de uma indústria química em Xiamen.

Chineses hoje têm permissão para viajar a lazer, estudos ou negócios.

Empresas com ações listadas fora do país têm que ter mais transparência. As autoridades descobriram uma vantagem: essa incipiente liberdade ajuda a combater a corrupção.

O ritmo da democratização chinesa é tão lento que a nossa “lenta e gradual” abertura fica parecendo um trem-bala. O período mais intenso de fermentação política, quando a democracia era debatida dentro do governo, em think tanks, universidades, rodas de intelectuais e estudantes e tomou com alegria as praças, foi em 1989. Sobre aquele breve sonho, abateu-se a tragédia de Tiananmen.

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