Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 10, 2008

Messianismo


EDITORIAL
O Globo
10/4/2008

Vários ingredientes se misturam nessa nova onda que se ergue entre petistas para tentar desfechar um golpe contra um dos princípios de qualquer regime democrático, a alternância no poder. Há desde a preocupação com projetos políticos pessoais, o interesse na perpetuação do acesso ao dinheiro fácil do contribuinte - fácil apenas para quem o gasta - até deformações ideológicas enraizadas na América Latina, visíveis no momento no chavismo e seus derivativos.

Participantes de um encontro realizado terça-feira entre o presidente e senadores do PDT relatam que Lula rejeitou com veemência as pressões queremistas - termo resgatado da passagem da História em que grupos quiseram manter Getúlio Vargas na Presidência em 1945 - que têm surgido aqui e ali: "eu rompo com o PT, se o partido começar a pregar a defesa de um terceiro mandato".

A frase reforça a coerência demonstrada até hoje por Lula em defesa da democracia, sem a qual, costuma repetir, com razão, ele próprio não teria chegado ao Planalto. A volta das pressões se alimenta também da alta popularidade do presidente, do bom momento da economia e, principalmente, da certeza existente no PT e aliados da falta de um nome na aliança partidária capaz de garantir, com boa margem de segurança, a continuação no poder do lulismo a partir de 2011.

O agente dessa operação é mais uma vez o deputado Devanir Ribeiro, do PT de São Paulo, amigo de Lula, e que já propôs liberar-se o Executivo para convocar plebiscitos sem o aval do Congresso - uma heresia. O objetivo oculto daquela idéia nem oculto era: perguntar-se à sociedade se o presidente poderia disputar mais um mandato. Agora, o ardil foi aprimorado. Devanir ressurge com uma emenda constitucional visando a acabar com a reeleição, ao mesmo tempo em que amplia o mandato dos cargos eletivos para cinco anos. Nenhuma palavra sobre continuísmo. Porque a idéia seria teleguiar um adendo à emenda, para permitir o atual presidente disputar também o próximo mandato, sob o argumento, inconsistente, de que, como o jogo político começaria do zero, o terceiro ciclo Lula consecutivo poderia ser tentado.

É indisfarçável, por trás da manobra, a visão messiânica e salvacionista da política, em voga hoje em dia na Venezuela e que já produziu muito atraso no continente no século passado, inclusive no Brasil de Vargas. Não existem homens providenciais. A sustentação do país são as instituições, que se fortalecem com os ritos democráticos e a estabilidade de regras fundamentais. Não há mais espaço para casuísmos.

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