Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 20, 2008

Merval Pereira A mídia e a mensagem

RABAT, Marrocos. O intelectual francês Régis Debray, que se celebrizou como o teórico da guerrilha de Che Guevara e ficou preso três anos na Bolívia nos anos 60 do século passado, hoje se dedica a estudar a linguagem e as religiões, e se diz mais distante da América Latina do que do Oriente, que é seu campo de estudo preferencial. É nessa qualidade que falou no seminário da Academia da Latinidade sobre o diálogo das civilizações. Especialista em “midialogia”, disciplina que estuda a transmissão das mensagens, Debray acha que, de uma maneira geral, as idéias dominantes continuam sendo as idéias das classes dominantes. Mas ele vê uma novidade, que considera muito positiva: o reencontro da civilização com o pluralismo dentro dos próprios meios de comunicação.

Como exemplo, cita a televisão Al Jazeera. “É um olhar árabe sobre esse espaço entre o Ocidente e o Oriente.

Quando você vê a CNN, você vê o Oriente visto pelo Ocidente.

Essa confrontação de pontos de vista é saudável”.

Mas adverte que é preciso não transformar as mídias de massa em um diabo, um monstro, dominado pelo grande capital, para intoxicar as massas. “É mais complicado que isso”, comenta, explicando que um jornal assim como uma televisão “serão sempre um reflexo de uma sociedade, não são manipuladores exteriores, eles refletem os que os escutam, os que os lêem”.

Regis Debray, no entanto, faz uma crítica aos sistemas de comunicação quando, pretextando “entender” a posição das empresas, define que um órgão de informação “faz mais a comunicação do que a informação.

A comunicação precisa seduzir seu leitor, seu ouvinte, e para isso é preciso pensar como ele ou falar como ele, uma espécie de mimetismo”.

Para Debray, “informar alguém é sempre desestabilizálo, deixá-lo desconfortável, mexer com suas idéias já fixadas.

É por isso que a informação é sempre difícil. É mais fácil falar dos shows, do político local, do filme de grande público, do que falar sobre um filme de outra língua, ou um fenômeno econômico mais complicado”.

Ele chama a atenção para o papel da internet, que “quebrou a verticalidade, produziu a horizontalidade da informação”.

Essa “horizontalização”, no entanto, pode também compreender o pior do mundo da informação, ressalva Debray.

Pela internet, “é possível transmitir todos os rumores, os boatos, as calúnias”.

Ele defende que é preciso que a internet tenha “um critério de validação”, que hoje vem da edição, da autenticação das fontes de informação, da garantia de qualidade dessas fontes.

Quanto à política, Debray acha que nos últimos 40 anos houve uma mudança na qualidade do que se faz: “Mudou a personalização, desapareceram os partidos, as formações coletivas, em benefício do porta-voz, do líder, do homem visível”. Ele diz que a televisão, que define como “tela pequena” funciona bem em grandes planos, “que mostram o chefe, e não a massa”.

Para Debray, a televisão “favorece a grande personalidade sobre o debate público e faz desaparecer o debate das idéias e a questão dos programas, de visão de mundo”. Esses conceitos políticos, “que se exprimem pelo discurso, pelo texto impresso”, foram superados pela imagem, analisa.

“Trocamos o messianismo do comunismo pelo messianismo religioso islâmico-cristão; norte-americano ou muçulmano”.

Irônico, Debray comenta: “Não diria que esse foi um progresso. Sinto falta do messianismo laico”. Ele inclui o caso da Bolívia no que chama de “balcanização da política”, um fenômeno mundial “que remonta às identidades étnicas e culturais arcaicas que se acreditavam abolidas, e que renasceram com muita força”. Em termos freudianos, diz ele, seria o retorno do que foi reprimido.

Debray ressalta que a chegada do indígena Evo Morales ao poder não tem um sentido de continuidade com o movimento de guerrilha de que participou nos anos 1960 junto com Che Guevara, mesmo porque, admite, “naquela época não levamos em conta o fator étnico dos aymaras e queixuas. Foi um erro, não estávamos inseridos suficientemente dentro da realidade social e cultural da Bolívia”.

Mas diz que “essa tomada de consciência tardia desses indígenas bolivianos, que eram explorados e dominados há muito tempo”, se não significa “um processo de causa e conseqüência mecânico”, pode ser entendida como “um processo dialético, uma volta do passado no presente”. A luta armada dos anos 1960 se transformou “em uma semeadura que se fortaleceu lentamente, que produziu uma vontade de emancipação e o controle do seu destino pelo povo.

Há uma continuidade, mas há um retardamento”.

Ele cita o exemplo do Chile de Allende, para onde foi após ser libertado na Bolívia: “Tínhamos razão para sermos terrivelmente pessimistas em 1973 depois da morte de Allende. Mas nos movimentos subterrâneos, de maneira lenta, invisível, difícil, o movimento popular se reconstituiu”.

Embora se escuse de fazer “julgamento de valores de pessoas que estão vivas”, Debray diz que, “apesar de muitos criticarem Lula e Chávez”, gosta dos dois.

Ele acha que “é preciso desejar” que se produzam mudanças políticas em Cuba, mas diz que “o essencial da revolução em termos sociais e educativos” deve ser mantido.

Debray lembra, porém, que “a democracia não cai do céu de pára-quedas nem pode ser imposto do exterior por um poder dominante ou imperial”. Para ele, a democracia “é um processo e há fases intermediárias”.

A ligação com a América Latina é muito débil para o Debray atual, que explica assim sua relação com a região: “Tenho amigos pessoais, mas hoje me ocupo da história das religiões, meus estudos me levam para o Oriente Próximo, a Palestina, Israel, os cristãos do Oriente, o mundo oriental versus o ocidental. Sou menos interessado pelo extremo Ocidente do que pelo Oriente”.

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