Poupança do setor público para abater dívida deveria ser elevada a fim de propiciar mais fôlego ao crescimento
O QUADRO macroeconômico brasileiro ficaria mais equilibrado se as autoridades promovessem, já neste ano, um aumento da poupança do setor público, o chamado superávit primário.É claro que mais uma elevação de impostos seria uma afronta à sociedade e deveria estar completamente fora de questão. Dada a alta muito forte das receitas do setor público, bastaria moderar a expansão das despesas para aumentar o superávit. Dado o interesse de preservar o investimento público -sobretudo o voltado a desobstruir gargalos de infra-estrutura-, a redução de dispêndios deveria recair sobre os gastos de manutenção da máquina, as despesas correntes.
Hoje as três esferas de governo e as empresas estatais, em conjunto, se comprometem a reservar receitas correspondentes a 3,4% do PIB para custear despesas financeiras e, por essa via, reduzir sua dívida. O anúncio de que essa proporção será maior traria múltiplas vantagens.
Além do efeito benéfico, sobre as expectativas dos agentes econômicos, de uma redução mais veloz da dívida pública, um superávit primário mais alto contribuiria para uma moderação do ritmo de alta na procura por bens e serviços. E um crescimento mais disciplinado da demanda, em particular do consumo, aliviaria pressões sobre as contas externas, a inflação e os juros.
Como instrumento para dosar o ritmo de expansão da demanda agregada, no contexto atual um aperto fiscal guarda vantagens bastante ponderáveis sobre um aperto na taxa Selic.
A elevação da taxa básica da economia brasileira, num quadro em que os Estados Unidos estão cortando os seus juros de curto prazo, seria fator de atração de capitais especulativos e, portanto, de queda adicional da cotação doméstica do dólar.
Um real ainda mais valorizado facilitaria o controle da inflação, mas há outros meios, muito menos arriscados, para perseguir tal objetivo. É importante recordar que uma moeda doméstica muito forte por muito tempo suscita riscos, a médio prazo, de um aumento temerário do déficit nas contas externas. Não se podem perder de vista as recorrentes crises que a economia brasileira atravessou, entre 1997 e 2003, devido à fragilização das relações financeiras com credores e fornecedores estrangeiros.
O desestímulo ao investimento privado é outro efeito colateral que medidas de contenção de demanda podem suscitar. A disposição dos empresários de investir tende a ser favorecida pelo anúncio de redução de gastos salariais e de custeio do Estado, ao passo que é prejudicada por uma elevação da taxa de juros.
Há contextos em que acelerar gastos públicos e cortar impostos pode se revelar conveniente para estimular uma economia combalida. Mas o Estado precisa ter condições financeiras de fazê-lo: se estiver afundado em dívidas, não poderá exercer esse papel. É preciso aproveitar fases de bonança como a atual, em que a economia e o emprego se expandem, para fortalecer as contas públicas -e, assim, propiciar mais fôlego ao crescimento.