O plano A e o B Primeiro, anestesiar os movimentos sociais,
O presidente Lula vestiu o uniforme de campanha. Já visitou treze estados e quer visitar outros treze até o fim do ano. Na segunda-feira, esteve no Rio de Janeiro, onde participou da cerimônia para anunciar o início das obras de um complexo petroquímico. Lá, como se estivesse num comício, atacou a oposição. No Rio Grande do Sul, o presidente visitou um estaleiro e uma universidade. Cercado de políticos aliados, mais uma vez mandou bala na oposição, chamando de incompetentes os governos anteriores ao seu. Na sexta-feira, Lula esteve em São Paulo para lançar um programa de incentivo ao turismo na terceira idade. Para se ter uma idéia do ritmo intenso da agenda presidencial, basta citar que o presidente viajou mais vezes no mês passado do que em setembro de 2006, quando estava em plena campanha pela reeleição. Existem várias razões para explicar o ímpeto de Lula nos palanques, além da mais óbvia de todas: ele adora esse tipo de aparição pública em que domina a cena. Alimentar a candidatura da ministra Dilma Rousseff à sucessão é outra razão. Instalar o clima de campanha é também uma cortina de fumaça para tirar do foco o escândalo do dossiê dos gastos da Presidência passada (veja a reportagem). O ímpeto do presidente levantou também a lama do fundo de um assunto que, por delirante, já havia se assentado. Fala-se aqui da tese do terceiro mandato para Lula. Entre todas as razões e especulações, a mais provável é a de que o animal político alojado no âmago do presidente já farejou as eleições municipais deste ano e quer não apenas vencê-las, mas "massacrar" a oposição, conforme tem dito o próprio presidente. Desde o ano passado, quando o governo foi derrotado na proposta de prorrogação da CPMF, Lula assumiu pessoalmente as articulações políticas mais delicadas e ambiciosas. Pensando em 2010, o presidente deu sinal verde para seus negociadores atuarem de maneira a tentar minar todas as possibilidades de sucesso eleitoral da oposição nas principais capitais do país. Em São Paulo, o presidente está atuando pessoalmente para viabilizar a ministra Marta Suplicy. Pesquisas mostram que ela é a única candidata capaz de derrotar o grupo político do governador tucano José Serra, favorito para suceder a Lula. No Rio de Janeiro, o presidente convenceu o governador Sérgio Cabral, do PMDB, a apoiar o petista Alessandro Molon, abandonando uma aliança certa com o prefeito Cesar Maia, do DEM. Molon tem chances remotas de sucesso, mas o objetivo do governo é embolar a disputa e beneficiar, num eventual segundo turno, o senador Marcelo Crivella. O plano de ataque transcende a lógica política e releva qualquer consideração de aspecto moral. Para garantir o sucesso eleitoral em outubro, valem alianças com o ex-presidente do Congresso Renan Calheiros, o ex-presidente da Câmara Severino Cavalcanti, o deputado Paulo Maluf e o ex-governador Orestes Quércia. Este último, aliás, só consolidou seu apoio e o do PMDB paulista à candidatura de Marta Suplicy à prefeitura depois de receber do governo uma diretoria da Eletrobrás.
Para não dar chance alguma aos opositores, o presidente tem sacrificado candidaturas do próprio PT. Em Goiânia, por exemplo, o partido pretendia lançar um candidato para disputar com o atual prefeito, o peemedebista Iris Rezende. A máquina partidária subordinada ao presidente entrou em ação. Comandada por Delúbio Soares, o ex-tesoureiro de campanha de Lula, o partido decidiu optar por uma aliança com Iris, um inimigo histórico dos petistas goianos. Em Belo Horizonte, onde o PT comanda a prefeitura há sete anos e o governador tucano Aécio Neves é tido como aliado federal, articula-se uma estranha aliança para que o candidato não seja nem petista nem tucano. O movimento, aparentemente bizarro, esconde outra possibilidade: a de o governador Aécio, quem sabe, ser candidato à sucessão de Lula, enfraquecendo as pretensões presidenciais dos tucanos em 2010. "Temos de esmagar a oposição", disse o presidente em uma reunião com comandantes de partidos aliados na semana passada. Em Salvador, o governo trabalha para isolar o deputado ACM Neto, que vai disputar a prefeitura pelo DEM. O presidente quer todos os partidos da base do governo, incluindo o PT, apoiando a reeleição do peemedebista João Henrique. "Lula considera que a eleição deste ano é uma prévia de 2010. Principalmente nas cidades mais simbólicas, como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte", afirma o presidente do PMDB, Michel Temer, que se reúne com Lula toda semana no Planalto para tratar das eleições. "Quanto mais fraca ficar a oposição, mais fácil será para a nossa aliança continuar no poder em 2010." "A intenção de Lula é usar o bom momento da economia para massacrar a oposição", avalia o presidente do DEM, Rodrigo Maia. "Se conseguir uma grande vitória eleitoral em 2008, Lula terá força para colocar na rua a tese do terceiro mandato em 2009." O problema dessa tese absurda, rejeitada publicamente várias vezes pelo próprio presidente, é que ela surge sempre que há uma oportunidade. Na semana passada, foi a vez de o vice-presidente José Alencar falar "espontaneamente" sobre o tema. "Lula tem feito muito, mas ainda há muito por fazer. O Lula deseja fazer o seu sucessor. Mas eu digo a você que, se perguntarem aos brasileiros, o que os brasileiros desejam é que o Lula fique mais tempo no poder", afirmou Alencar. O vice-presidente é conhecido por sua franqueza e pela espontaneidade com que costuma tornar público o que pensa. Na véspera, porém, ele comunicou a Lula que daria a declaração – da mesma maneira que o deputado Devanir Ribeiro (PT-SP), compadre do presidente, lhe disse que apresentará nesta semana ao Congresso projeto de emenda constitucional que acaba com a reeleição e cria um mandato de cinco anos para presidente, governadores e prefeitos. A proposta inclui uma emenda que permite aos atuais governantes concorrer a mais um mandato com a nova regra. Sob medida para Lula ficar treze anos no Planalto.
"Lula não impedirá que o PT ponha o bloco do terceiro mandato na rua. Mas essa proposta é um golpe constitucional, uma subversão da democracia por meios democráticos", afirma o filósofo Denis Lerrer Rosenfield, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Com a oposição reduzida, a proposta, é óbvio, tem mais chances de progredir. Não encontraria sequer oposição social. Ao contrário. Uma das estratégias do governo foi anestesiar os movimentos sociais com verbas, cargos e convênios. Desde o início do governo Lula, eles deixaram as ruas em direção aos gabinetes de Brasília. O MST comanda importantes setores do Incra. A Força Sindical controla o Ministério do Trabalho por meio do pedetista Carlos Lupi, que vem fazendo a festa de entidades sociais amigas com distribuição de verbas. A poderosa CUT tem o comando do Ministério da Previdência, com seu ex-presidente Luiz Marinho. Na semana passada, Lula ainda fez um novo afago aos companheiros ao vetar a obrigatoriedade de sindicatos, centrais sindicais e confederações prestarem contas dos recursos que recebem. O presidente justificou a decisão dizendo que a fiscalização poderia acabar com a autonomia sindical. Ou seja: o dinheiro destinado aos sindicatos que cada trabalhador é obrigado a descontar em seu contracheque não está sujeito a nenhum tipo de investigação oficial. "Foi um erro histórico, porque desmerece a biografia sindical do presidente", disse o ex-ministro do Trabalho Almir Pazzianotto.
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Fotos José Patricio/AE, Oscar Cabral, Antonio Gauderio/Folha Imagem e Lailson Santos |