Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 20, 2008

Daniel Piza

A arte do fato


Em tempos de imprensa fofoqueira e leviana, nada melhor do que ler os maiores jornalistas da história. A editora José Olympio acaba de publicar no Brasil O Grande Livro do Jornalismo, editado por Jon E. Lewis (tradução de Marcos Santarrita), com o que chama de ''55 obras-primas dos melhores escritores e jornalistas''. Com exceção de Charles Dickens (sobre uma decapitação em Roma em 1845), Winston Churchill (sobre sua fuga da guerra na África do Sul em 1899) e alguns outros eleitos como precursores, além do hors-concours George Orwell (trecho de The Road to Wigan Pier), os textos são quase todos de jornalistas americanos. Conheço antologias melhores, como The Art of Fact (editado por Ben Yagoda, 1998), mas em português, não.

Há famosos como Jack London testemunhando o terremoto de São Francisco, John Reed cobrindo a Revolução Russa, John Hersey visitando Hiroshima um ano depois da bomba, John dos Passos na Marcha da Fome de 1931, William Shirer sobre a rendição francesa aos nazistas, Seymour Hersh revelando o massacre de My Lai e Hunter Thompson na Convenção Republicana de 1972. Mais importante, há desde crítica literária (Dorothy Parker defendendo os contos de Hemingway) até textos sobre esportes (Jonathan Mitchell sobre o boxeador Joe Louis) e relatos pessoais de viagem (Jon Krakauer e sua escalada), além de artigos e miniensaios (Norman Mailer sobre Bob Kennedy).

Isso tudo contrasta com o que ainda se pensa no Brasil sobre o que é ou não jornalismo. Há vários tipos de reportagem, das mais diretas às mais interpretativas, e jornalismo de opinião é, claro, jornalismo. O volume também serve para lembrar como o jornalismo pode ser instrumento e experiência para escritores de ficção. Além de Dickens, London, Dos Passos e Mailer, estão ali Stephen Crane, John Steinbeck, Gore Vidal e outros. E entre os grandes jornalistas vivos, além de Hersh, o destaque é para Robert Fisk, único com dois textos (massacre de palestinos em 1982 e invasão do Iraque em 2003). Bom jornalismo faz história e sobrevive em qualquer suporte.

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Faltam mulheres na antologia, que tem apenas Martha Gellhorn e Gloria Steinem, além de Dorothy Parker. Hoje em dia elas são maioria no jornalismo e muitas estão entre os melhores, como Janet Malcolm e Arlene Croce. Uma verdadeira lenda do jornalismo americano é Rebecca West, autora de um longo clássico que estou lendo aos poucos, Black Lamb and Grey Falcon, sobre a Iugoslávia dos anos 30. Reportagem é viagem, mesmo que em sua cidade natal. O livro de outra grande jornalista, Stasilândia, de Anna Funder, será lançado pela Companhia das Letras em junho, na coleção Jornalismo Literário. É sobre a Alemanha Oriental nos tempos da Stasi, a polícia que tudo controlava.

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Quando o cinema surgiu, disseram que a literatura e o teatro morreriam; quando a TV surgiu, disseram que o rádio e o cinema morreriam; etc. Nada morreu, tudo se transformou. O modo de fazer e o peso na sociedade sofrem mudanças, naturalmente, e sempre será assim. Isso vale para a internet, que também mataria tudo que existiu até então. Pois não é que tudo continua, e os sites de notícia mais visitados do mundo são justamente os de grandes grupos tradicionais, ''mainstream'', como The Wall Street Journal e The New York Times? No atual State of the News Media, relatório anual sobre o jornalismo americano, isso é dito com todas as letras. A pulverização de fontes de informação não abalou o prestígio desses grupos e profissionais, mas ele precisaram se converter em multimídia. Há mais interação do que nunca com o leitor, e com isso se reforça a marca que tiver credibilidade e know-how.

Isso não significa que financeiramente a questão esteja resolvida. A circulação de jornais impressos, como já escrevi, caiu no último decênio, e certos tipos de publicidade os deixaram. Ações das empresas perderam valor. A transição para outro modelo de negócios ainda não se consolidou, porque ainda não se sabe como fazer dinheiro de verdade com jornalismo na Web. Mas, à medida que a coisa evoluir, as marcas fortes obviamente estarão à frente. Há muita gente na internet ressentida com a tal ''grande mídia'', até porque gostaria de trabalhar nela, pois muito mais portas são abertas. Lembro que diziam que ''jornalista não sabe fazer blog''. Bem, verifique quais os blogs mais influentes... E os jornais serão tanto melhores quanto mais observarem a demanda crescente por orientação e interação. A era do jornalão telegráfico e unilateral chega ao fim. Os autores estão de volta.

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André Laurentino tem um texto engraçado em As Cem Melhores Crônicas Brasileiras sobre os ''meio intelectuais, meio de esquerda'' que tagarelam em botequins e se consideram incompreendidos pela sociedade moderna. Hoje há uma espécie nova, os ''meio intelectuais, meio de direita'' que marcam a blogosfera. De qualquer modo, há muitos blogs cientes de sua natureza - conversa, conversa - e que vão muito além do diário palpiteiro, como More Intelligent Life (moreintelligentlife.com), que faz jus ao nome. Alguém vem e escreve, digamos, um artigo sobre sua obsessão pela literatura de Thomas Bernhard, e os comentários levam o assunto diante. No caso, por rara felicidade, os comentaristas também leram Bernhard antes de opinar...

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Sei de pessoas que se dizem suficientemente informadas apenas ouvindo rádio no carro e lendo uma revista semanal de notícias ou análises. Ilusão. ''O jornal é a oração matinal do homem civilizado'', dizia Hegel, e continua a ser. Ler de 15 a 30 minutos antes de sair de casa é essencial não só para a informação, mas também para a formação. Fico pensando, eu que li os clássicos de Economia e a estudei na faculdade, quanto aprendi a mais sobre o assunto lendo em jornais ou revistas os artigos de Mario Henrique Simonsen, Celso Furtado, Roberto Campos ou Paul Singer, para citar tendências ideológicas diversas.

Afinal, mesmo que os jornais diários em papel venham a sumir (ou virem quase-revistas no aspecto físico), lê-los no computador também será obrigatório. Afinal, o excelente site do The Guardian é escrito também com sintaxe, parágrafos, títulos e hierarquia editorial, não? As redações virtuais também só crescem, embora a profecia fosse a de que todo mundo iria trabalhar em casa. Ainda bem, pois isso favoreceria demais o jornalismo de gabinete, que não vai para a rua, não tem prática e não é obrigado a ser isento e plural.

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No Brasil ainda não se entende direito esse novo velho mundo da informação comentada. É comum ouvir que jornalistas só deveriam transcrever os fatos (como se houvesse um único e puro modo de fazê-lo) e não emitir opiniões (que não são o mesmo que palpites ou achismos). Só se esqueceram de avisar aos leitores... O bom leitor gosta de jornais com identidade, a qual é muito definida por seus critérios de edição (primeira página ou não, matéria grande ou não, abordagem, etc.) e por seus colunistas. Ele não gosta é da imprensa que força a barra, como se vê especialmente na TV nesta cobertura do caso Isabella, em que qualquer relato impreciso e impressionista é levado a sério.

Há ainda essa classe de ideólogos que sonham com o poder público a mediar o debate da sociedade, como se o Estado tivesse um papel virtuoso. É isso que está por trás dessa conversa sobre a ''função social'' dos meios de comunicação, que é hilária num país onde tantos veículos pertencem a políticos e onde publicações financiadas por estatais se dizem ''independentes''. O livro de Eugenio Bucci, Em Brasília, 19 Horas (Record) - título que se refere à abominável Voz do Brasil, um dos muitos resquícios de tempos ditatoriais -, deixa isso muito claro. E as primeiras informações sobre a TV Lula, digo, a TV Brasil, de que palavras como ''dossiê'' seriam vetadas, só confirmam o que se previa. Ainda mal chegamos ao iluminismo de papel.

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Cada jornalista tem seus heróis. Sergio Augusto, um dos meus, sempre cita I.F. Stone e Murray Kempton. Outro dos meus, Paulo Francis, citava Bernard Shaw, George Orwell e George Jean Nathan. Eu acrescentaria Karl Kraus, que sozinho escrevia um jornal inteiro com artigos, críticas e aforismos, e H.L. Mencken. O que há em comum entre eles? Eram humanistas, não importa com qual simpatia política, e acreditavam em dar o melhor de si na concatenação de fatos e idéias. Não economizavam na distribuição de cultura e jamais faziam concessões em sua independência. Acima de tudo, acreditavam no poder da palavra escrita para ler a história e conquistar um espaço na mente dos leitores. Hoje ou nos tempos de Dickens, bom jornalismo é fazer o esforço de não ser descartável, sem cair na pretensão de ser definitivo.

POR QUE NÃO ME UFANO

Há países que quando têm problemas econômicos tomam como primeira medida o corte dos impostos e dos juros. Há outros que, ao menor sinal de inflação, preferem jogar os juros para o alto e rodá-los na agiotagem.

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