Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 05, 2008

Criticaram a ditadura e ganharam R$ 1 milhão

Ziraldo e Jaguar terão as maiores indenizações, além de pensão mensal, entre 20 jornalistas beneficiados ontem
Paula Autran e Marcelo Dutra

Indenizados com outros 18 jornalistas por perseguição política, os cartunistas Jaguar e Ziraldo receberam ontem direito a indenizações de R$ 1.027.383,29 e R$ 1.000.253,24 respectivamente, além de prestação mensal permanente e contínua de R$ 4.375,88 cada um. Foram os valores mais altos alcançados nas contas da dívida retroativa calculada pela Comissão de Anistia, que realizou durante toda a tarde uma sessão de julgamento no auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Rio, como parte do programa Caravana da Anistia.

Os anistiados têm 30 dias para recorrer do valor arbitrado e não há previsão para o início do recebimento do dinheiro. O advogado Humberto Jansen, que representou Jaguar e os jornalistas Nilson Nobre (que recebeu indenização de R$ 911.204,08) e Carlos Guilherme Penafiel (R$ 609.487,15), já avisou que recorrerá, após ouvir seus clientes, ausentes na cerimônia: — Não achei que se fez justiça.

Estou condenado a insistir.

Até há bem pouco tempo o valor era maior. Ocorre que eles, repentinamente, decidiram anistiar todo mundo. E acabaram mudando os valores.

Se for preciso, entro com um mandado de segurança alegando erro do ministro da Justiça, que é quem vai assinar o que está sendo decidido aqui.

Já para Ziraldo — que disse não ter contratado advogado nem anexado qualquer documento ao pedido de indenização, aberto em 1990 pelo Sindicato dos Jornalistas — é boa a sensação de chegar aos 75 anos aprovado por seus pares.

— Eu quero que morra quem está criticando. Porque é tudo cagão e não botou o dedo na seringa.

Enquanto eu estava xingando o Figueiredo e fazendo charge contra todo mundo, eles estavam servindo à ditadura e tomando cafezinho com o Golbery (do Couto e Silva, general, chefe da Casa Civil da Presidência no governo Geisel). Então, qualquer crítica que se fizer em relação ao que está acontecendo conosco eu estou me lixando — disse Ziraldo, que considera a quantia sua aposentadoria, que hoje está em torno de R$ 1 mil. — Meu colega, que é funcionário público e tem a mesma idade, ganha R$ 12 mil de aposentadoria.

O Brasil me deve uma indenização.

Diretor de revista também é indenizado Entre os anistiados estão também Sinval de Itacarambi Leão, diretor da “Revista Imprensa” (que receberá R$ 522.438, além de pensão de R$ 4.335) e Ricardo Moraes Monteiro, chefe da assessoria de imprensa do ministro da Fazenda, Guido Mantega, indenizado em R$ 590.014,40, mais R$ 4.375,88 mensalmente.

— Eu não me digo perseguido pela ditadura, eu fui. Estive preso e fui torturado no DOI-Codi. E em relação à indenização, tem uma lei e eu a solicitei. Acho que a indenização não é a questão central. Minha família sofreu conseqüências sérias. Eu tinha um irmão arquiteto que não agüentou a parada e se suicidou — disse Ricardo. — Tive uma carreira profissional e isso é outra questão. Eu me recompus.

Sinval acrescentou: — O mais importante da anistia é ouvir de um representante do Estado o pedido de perdão.

A questão da remuneração, por maior que ela seja, jamais cobrirá tudo o que aconteceu.

A cerimônia na ABI — que contou com a presença do ministro da Justiça, Tarso Genro — foi marcada por momentos de muita emoção. Ao relatar as histórias, alguns membros da comissão choraram. Parentes dos jornalistas anistiados post mortem também estavam comovidos.

Muitos contaram as dificuldades pelas quais passaram nos anos da ditadura.

— Um ato como este tem um enorme significado, o da transparência, da valorização da fiscalização da cidadania e de promover uma mudança na cultura da sociedade, no que diz respeito aos valores da Constituição e de uma República democrática que combata desigualdades e respeite direitos humanos — discursou o ministro. — Talvez (no futuro) tenhamos uma postura tão hegemonicamente democrática que os jornais tenham vergonha de dizer que anistia é Bolsa Ditadura.

O presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abraão, também defendeu-se das críticas: — Não podem fatos isolados, de uma indenização de jornalista concedida em patamares elevados, implicar em prejuízo a todos os demais. Ao contrário do que muitos acreditam, a média das prestações mensais da comissão é R$ 758,60. Altas indenizações sempre foram fatos isolados no universo de 37 mil processos já apreciados.

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