As distorções na aplicação da lei da indenização por perseguição política acabam mobilizando, contra a boa-fé dos idealistas e a moral compreensiva do país, forças destrutivas de ideais. Não estamos diante de frangalhos de sonhos como restos a pagar. É preciso continuar fiel ao princípio de que o Estado deve reconhecer e pagar pelos seus erros.
Mas não contribuindo para o apagamento progressivo da memória e da história do período repressivo — o tempo preciso do horror ditatorial cada vez mais elástico, conceitual, burocrático, matemático.
Considerando irrelevantes opiniões da sociedade sobre os equívocos gritantes da necessária lei, vão-se aumentando o desprezo pelos seus objetivos e a desconfiança em relação a muitos de seus beneficiários.
Foram causas justas que moveram o interesse e a ação dos que lutaram ou resistiram ao arbítrio.
É essencial ser sempre respeitoso ao sentimento de fervor e agitação daquela época sem se irritar, porém, com sua avaliação nos tempos da monotonia.
Cuidar para não diluir o entusiasmo da nação pela virtude desinteressada; estar alerta para os truques sujos que a história impõe à compreensão dos fatos; saber que democracia e liberdade alcançadas por toda a nação não podem ser creditadas na conta de alguns, evita que uma bela e generosa idéia vá para o hades tenaz da improvisação brasileira.
Ao fazer circular somas de dinheiro a lei define preços para lutas e pessoas, flagra inabilidades advocatícias na defesa de interesses de clientes, avalia carreiras e personalidades, fura filas, consolida o mantra das classes sociais com párias e privilegiados. Transforma em cupidez o fulgor do engajamento, que levou tantos à tortura e à morte. Sem misturar moderação aos seus cuidados resta à lei o cálculo da vida absorvida pela indenização.
Como aferir a dor dos decepcionados com aplicação tão frustrante de um princípio tão nobre, pacificador? Como fixar o preço do desânimo de toda uma geração que viu na anistia e na reparação uma forma de buscar regeneração e cicatrização das feridas das lutas do nosso povo? No inventário das lutas coletivas o idealismo não busca acréscimo patrimonial ou confere reputação pecuniária às vítimas do arbítrio.
A indenização em valores exorbitantes é sinônimo de ressarcimento, preço, e não compensação, simbólica, pelo erro do Estado. Não busca amenizar a culpa pelo sofrimento, o dano físico e moral. Antes, livra o agente do mal e a parte reticente da sociedade à grandeza da anistia do sentimento de que deve alguma coisa, pela conversão do ideal em causa pecuniária. Pagar milhões, à vista ou a prazo, transformar anistia em precatório, não é reparar o erro, nem se constituirá em desestímulo a sua repetição.
Quando seu valor é espetacular seu caráter não é exemplar. Pois nenhuma indenização que não seja socialmente compreendida será moralmente justa, contribuirá para salvaguardar a memória dos que lutaram ou ajudará a inibir a ânsia pelo delito dos que pensam reincidir.
Se vista como fonte de enriquecimento por causas políticas, a anistia sepultará de vez a memória do ato de vontade e convicção que conduziu à luta pela liberdade. Nem é justo e razoável distinguir pessoas lhes botando valor. Não se trata aqui de dar a cada um o que lhe é devido — ignomínia com o sem preço da morte ou da mutilação — mas reconhecer a violação de direitos, fixando, simbolicamente, valores iguais, máximo e mínimo. Isto por não menosprezar as enfáticas e silenciosas ações de milhares de brasileiros que leais aos perseguidos viveram o medo, resistiram ao fascínio que é aderir a governos e sistemas fortes de poder.
O naufrágio de um bom princípio é mais rápido do que a maré de justiça que o fez prevalecer. E, desmoralizado, não haverá força para rejeitar sua rejeição.
Se desmoralizada a anistia política, não haverá força para rejeitar sua rejeição
Entrevista:O Estado inteligente
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