Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 19, 2008

André Petry O papa e os pedófilos


"O direito canônico impede que alguém seja
ordenado padre, ou se mantenha como padre,
se cometer homicídio, tentar suicídio, ajudar
a fazer aborto ou automutilar-se. Abuso sexual
pode? Pode. Pedofilia pode? Pode."

É constrangedor que tenha sido assim, mas era inevitável: a primeira viagem do papa Bento XVI aos Estados Unidos foi uma visita sobre abuso sexual. O papa tocou no assunto antes que seu avião aterrissasse em solo americano, dizendo que se sentia "profundamente envergonhado" pelos casos de padres pedófilos. Depois, numa cerimônia, voltou ao tema, expressando dor e pedindo atenção pastoral redobrada às vítimas. Chegou até a se reunir com cinco pessoas que foram molestadas sexualmente, todas hoje na meia-idade, num encontro sem anúncio prévio, a portas fechadas, e com vítimas escolhidas a dedo.

Resolveu? Aplacou a ira santa das vítimas?

Que nada.

O escândalo de pedofilia nos EUA é uma cicatriz imensa. Começou a vir à tona em 2002. Atingiu quase todas as dioceses do país. Revelou a existência de 5.000 padres pedófilos. Contabilizou mais de 13.000 vítimas. Custou mais de 2 bilhões de dólares em acordos. E o que a Igreja Católica fez para estancar isso tudo?

Quase nada.

As vítimas americanas, que têm associação nacional para representá-las, querem que a cúpula da Igreja tome providências concretas para evitar que algo parecido volte a acontecer – ou esteja acontecendo. As providências concretas não vieram. Na semana anterior à chegada de Bento XVI aos EUA, o jornal The New York Times noticiou que um casal de Massachusetts entrou com ação contra um padre acusando-o de molestar seus dois meninos. Quando? Em 2005. As vítimas também querem um plano concreto para expurgar os pedófilos da Igreja e punição aos bispos que acobertaram os casos e mantiveram os padres nas paróquias. Até agora, nada disso foi feito.

A omissão e a letargia em reconhecer que milhares de padres desgraçaram a vida de milhares de crianças católicas produziram um cortejo de constrangimento ao papa. Em cada cidade, havia uma exposição de fotografias de crianças sexualmente molestadas. Em Washington, em frente a uma igreja, havia sessenta fotos, quinze delas com uma moldura preta, sinalizando que se suicidaram. Em Nova York, uma exposição no Soho fazia a mesma denúncia.

E tudo porque até hoje o Vaticano não mudou o código canônico, no qual consta tudo o que impede um padre de manter-se padre ou virar padre. A saber: homicídio, automutilação, tentativa de homicídio ou auxílio a aborto. Abuso sexual pode? Pode. Pedofilia pode? Pode. Na sexta-feira, quando Bento XVI chegava a Nova York, o Vaticano anunciou que estava pensando em fazer mudanças no código. Pensando.

Talvez isso explique por que boa parte dos 64 mi--lhões de católicos nos EUA tem virado as costas para a Igreja e suas orientações. Uma pesquisa divulgada na semana passada mostrou que 44% dos católicos americanos são contra o aborto e 48% contra o casamento gay. A maioria dos católicos, portanto, ou é a favor do aborto e do casamento gay ou não tem opinião formada.

Ou os católicos americanos são mais arejados do que a Igreja ou a postura leniente da Igreja com padres pedófilos abriu uma cratera na confiança desses católicos.

Seja o que for, é bom.

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