DO RIO
27/11/2014
FOLHA DE S PAULO
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) afirmou nesta quinta-feira (27) que um "sentimento de quase ilegitimidade" ronda a reeleição da presidente Dilma Rousseff.
"Vê-se neste momento a dificuldade que tem a presidente da República, recém eleita, quando devia ter toda força possível, mas tenho a impressão de que há um sentimento de ilegitimidade. Ganhou, é legal. Mas sem uma parte mais dinâmica do país e por outro lado com um sistema de apoios que não se expressa realmente no Congresso atual nem no futuro porque a forma de eleição não foi baseada propriamente num fator político ideológico", disse, durante uma exposição na ABL (Academia Brasileira de Letras).
Segundo FHC, a situação econômica do país tornou mais palpável o problema da governabilidade.
"Até agora foi possível empurrar com a barriga porque a situação não econômica não era tão aflitiva. Na medida em que ela se tornou mais difícil, esses problemas todos se agravam porque cada vez mais o congresso vai precisar apoiar as decisões do governo. Neste momento o executivo não encontra o apoio necessário do congresso porque as alianças foram feitas a partir de outros objetivos, outros critérios, então fica difícil avançar", afirmou.
Sua análise tocou não apenas o PT, mas todos os partidos, ao dizer que a maioria deles faz articulações políticas sem "conexão ideológica". Mas o ex-presidente criticou o governo atual ao citar a criação de novos ministérios "para contemplar a multiplicidade de partidos e criar uma chamada base".
O ex-presidente analisou a divisão de votos nas eleições não como uma polarização entre ricos e pobres mas sim entre estilos de relação com o governo.
"Me chamou a atenção a oposição ganhar no Acre e em Roraima. Lá existe agrobusiness. São áreas que começam a ser mais dinâmicas e menos dependentes das vinculações com o governo, com o Estado. Nas áreas dependentes do Estados, ricos e pobres votam de um jeito. Do mesmo jeito. Nas áreas independentes, ricos e pobres votam de outro jeito. Não se pode dizer que São Paulo, onde a oposição teve uma enorme dianteira, de 7 milhões de votos, foram os ricos que votaram. [Foi] todo mundo. O fator que mais explicaria essa continuidade dessa divisão (faz anos que é assim) é o estilo de relação entre a sociedade e o Estado do que a diferença de renda", declarou.
FHC demonstrou preocupação em relação à possibilidade do avanço de uma reforma política num cenário onde os três principais partidos, PT, PSDB e PMDB, não concordam sobre o modelo a seguir.
"Isso não quer dizer que seja impossível avançarmos. Mas se a situação social e econômica se agrava e a política é essa que estou dizendo, é possível que a saída seja a judicialização. Estamos assistindo neste momento processos complicados de corrupção, a justiça atuando, e isso afeta os partidos e os governos. Não é de estranhar-se que no Brasil a solução para esse imbróglio político não venha a partir do sistema político mas sim de decisões judiciais. Dada a situação política e o constrangimento que há para mudar essa situação, de repente pode ser que haja uma judicialização de decisões que venha afetar o próprio sistema político", disse o ex-presidente.
LEVY
No mesmo evento, o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco elogiou, com tom irônico, a escolha de Joaquim Levy para o Ministério da Fazenda.
"Podemos acusar o governo de muitas coisas, mas não de não ter inteligência política. O momento de fechar o cofre é o momento em que a presidente decide se afastar da área econômica e colocar alguém com mão fechada. É um movimento muito inteligente. Faço voto de que funcione", declarou.
Comparou o ato oficial desta quinta que confirmou Levy na Fazenda e Nelson Barbosa no Planejamento à "Carta aos Brasileiros", pronunciamento que Lula fez quando eleito sinalizando que a alternância no poder não traria riscos ao equilíbrio macroeconômico.
"A natureza desse evento talvez seja comparável à Carta aos Brasileiros de 2002 como um instrumento político que assinalou o aburguesamento do Partido dos Trabalhadores", afirmou.
Para ele, Levy é a pessoa certa para ajudar a sanar o que ele considera o maior problema da economia brasileira, a dívida pública excessiva.
"Não é difícil entender o fenômeno Joaquim Levy nesse contexto. A centralidade do tema [dívida] talvez explique porque o Joaquim é uma boa solução para o problema que temos diante de nós. O Brasil tem a maior relação dívida-PIB de países emergentes. Todos na média de 30% e olhe lá. É uma extravagância termos uma dívida tão grande (65%)", declarou.
O ex-ministro fez críticas ferozes ao governo em relação às investigações de corrupção na Petrobras, e lembrou acusações feitas sobre as privatizações que ocorreram no seu período de governo: "O capitalismo das privatizações foi feito através de leilões, através do TCU, tudo certinho, não houve nada comparável ao que vemos agora. O que estamos vendo agora é pirataria."