O GLOBO
Do êxito do jogo que está começando dependem não só a retomada do crescimento como a sustentação dos avanços sociais alcançados
A escolha dos nomes para a equipe econômica no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff mostra que ela entendeu não ter alternativas. Sem um ataque imediato, consistente e crível ao profundo desarranjo fiscal com que vai acabar o primeiro mandato — a herança maldita que herdou dela mesma —, não só faltaria o mínimo de confiança interna para destravar a roda da economia, como não restaria quase nenhuma chance de evitar a perda do "grau de investimento" das agências de classificação de riscos já em meados de 2015.
Não poderia haver pior hora para que a nota de crédito dos títulos brasileiros caísse ao nível do chamado "grau especulativo", posição que dificulta a destinação de recursos externos para títulos públicos e papéis de empresas nos países assim classificados. É cada vez mais provável que, em meados do próximo ano, os juros comecem a subir nos Estados Unidos, levando capitais globais a serem sugados pelo potente aspirador do mercado americano.
Com a formação das nuvens de chuva da perda do "grau de investimento", sinais vacilantes ou ambíguos no esforço para reequilibrar as contas públicas, ainda que o ajuste efetivo possa ser implementado de modo gradual, aumentariam enormemente os riscos de uma crise cambial. Riscos ainda mais reforçados pela falta de dinamismo das exportações brasileiras, em ambiente de baixo crescimento do comércio exterior global e acirramento da concorrência entre países exportadores.
Só aqueles que conseguem avaliar os impactos desorganizadores provocados por colapsos externos, dos quais o Brasil tem uma recorrente e rica história, podem entender que a palavra "escolha" era mais do que um eufemismo para o extremo pragmatismo que substituiu a coerência na montagem de uma equipe econômica habilitada a pelo menos tentar evitar o desastre além do muro em que a economia bateu.
O jogo que está começando, com Joaquim Levy na Fazenda e Nélson Barbosa no Planejamento, num resumo sem muita conversa mole, é um jogo de tudo ou nada. Ele depende primeiro de um imponderável — o efetivo desapego de Dilma das funções de ministra da Economia —, e de seu êxito poderá resultar, além de uma possível retomada, em um ano e meio ou dois, de um crescimento moderado, a sustentação dos progressos sociais alcançados nas últimas duas décadas.
Embora o reequilíbrio macroeconômico seja um indiscutível objetivo inicial, preservar as conquistas sociais e, se possível, avançar nesse campo é o que poderá fazer a diferença no segundo mandato de Dilma. Essas conquistas acabam de ser mais uma vez confirmadas pelos resultados do Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM), divulgado nesta semana, com a chancela do Programa das Nações Unidos para o Desenvolvimento (Pnud).
As informações reunidas no "Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil" (atlasbrasil.org.br), com base no cotejo de dados dos censos de 2000 e 2010, mostram uma nítida melhora na qualidade vida em 16 regiões metropolitanas, com destaque para aquelas localizadas no Norte e no Nordeste. Nesses dez anos, todas as áreas abrangidas no estudo alcançaram índices de alto desenvolvimento humano, com avanço nas três dimensões avaliadas — renda, educação e saúde.
Sabe-se que, nos três anos do primeiro governo Dilma, enquanto ocorria redução mais acentuada da pobreza extrema, a curva dos ganhos sociais perdia ritmo, indicando tendência a estacionar, em razão do baixo crescimento da economia e da manutenção da inflação em ponto relativamente alto. O desafio de Dilma agora, depois do inevitável tudo ou nada na política fiscal — a mãe dos desequilíbrios nos preços e no setor externo —, será preservar espaços para retomar o caminho ascedente nos níveis de qualidade de vida da população.
José Paulo Kupfer é jornalista