Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 23, 2011

Alerta geral:: Míriam Leitão

Na noite que começou a grande chuva, o prefeito do Rio só dormiu quando foi informado que poderia se desmobilizar. Na cidade, dois mil agentes comunitários receberam um torpedo de que a tempestade vista pelo radar não cairia sobre a capital, tinha se afastado. Se todos os municípios do Brasil tivessem o mesmo sistema, a Região Serrana teria tido tempo de se preparar.

Os sinais do novo radar do Sumaré, a 400 metros de altura, podem ver muito além do Rio, mas o Sistema de Alerta que o Rio está acabando de implantar tem várias fases. Nada é simples; tudo é urgente. O ministro Aloizio Mercadante diz que o país precisa de mais 15 radares. Cada um custa US$1,5 milhão. Os radares são um passo. O outro é o levantamento geotécnico. O terceiro é o fortalecimento da Defesa Civil.

Preparar-se para grandes chuvas e deslizamentos num país continental, que continua acreditando estar livre das catástrofes que atormentam outros países, é o desafio. De fato, está livre de terremotos, vulcões, nevascas, mas 37 grandes eventos climáticos aconteceram no Brasil desde 2000, segundo a pesquisadora da Universidade de Louvain, em Bruxelas, Deborati Guha Sapir, ouvida por Alexei Barrinuevo do "New York Times".

A boa notícia é que o ministro da Ciência e Tecnologia parece convencido que essa é uma parte prioritária do seu trabalho. Os cientistas já vinham pensando nisso, já há estudos avançados sobre o assunto, mas Mercadante e Eduardo Paes mostraram, na entrevista que fiz com eles na Globonews, a convicção de que o item permanecerá na agenda, mesmo após a imprensa parar de falar na tragédia.

Na sexta-feira, os dois se encontraram no Rio para conhecer o moderno centro de operações que Paes vem implantando na cidade nos últimos meses.

- Esse sistema de alerta é a ponta final de um conjunto de ações. Primeiro, sofisticamos o Alerta Rio, que existe há 13 anos, quando compramos um radar próprio. O segundo passo foi montar um centro de operações moderno com meteorologistas, geólogos e Defesa Civil 24 horas por dia, sete dias por semana. O centro opera com um sistema da IBM de previsão de tempo de alta resolução. Antes disso, toda a cidade tinha sido mapeada geotecnicamente num trabalho sofisticado que envolveu até feixes de laser emitidos de helicópteros sobre as áreas montanhosas do Rio. Foi assim que chegamos à conclusão de que há 18 mil famílias em áreas de risco no Maciço da Tijuca - disse o prefeito.

O plano de alerta instalou pluviômetros por toda a cidade e treinou até agora dois mil agentes comunitários que recebem celulares para que possam receber e mandar informações para a central em caso de chuva forte. Mas são 117 comunidades. Na quinta-feira, houve o primeiro teste no Morro do Borel. Ainda há muita coisa a ser feita. Tanta, que o prefeito diz que sabe apenas que está no caminho certo, mas longe do final.

Mercadante tem a missão de olhar o Brasil todo. É aflitivo, porque estamos muito atrasados. O Sistema Nacional de Alerta e Prevenção de Desastres Naturais só pode começar a ser implantado em área que teve mapeamento geotécnico. E no Brasil apenas a Região Metropolitana de São Paulo, pelo IPT, a cidade do Rio, e o Vale do Itajaí foram mapeados.

- Precisamos fazer para o Brasil inteiro isso que o Rio fez. O litoral do Nordeste todo está exposto. Algumas cidades, como Fortaleza, já estão tendo chuvas intensas agora. No ano passado, uma forte inundação atingiu Pernambuco e Alagoas. Em São Paulo, no ano passado foram 79 mortos e 25 mil desabrigados - disse o ministro.

Alguns passos importantes foram dados. O governo comprou um supercomputador, o Tupã, que está no Inpe e vai melhorar em muito a precisão das previsões. Mas tudo tem que estar associado aos radares que precisam ser instalados, mesmo após a integração com a rede de radares da Aeronáutica. Ver com antecedência que uma grande chuva está vindo é uma parte do trabalho. Saber se cairá em áreas com risco de deslizamento e desabamento é outro. Ter um plano viável de evacuação é a terceira parte do desafio. Mas mais importante será corrigir a imensidão dos nossos erros na ocupação do solo urbano. Tudo está errado.

Sabemos isso desde sempre, confirmamos a cada verão que as escolhas que temos feito desequilibraram os sistemas naturais e colocaram milhões de brasileiros em situação de vulnerabilidade.

Esse início de 2011 é uma fratura exposta. Por muito tempo será. Os relatos de quem vai, de quem viu os primeiros momentos, e mesmo de quem chega agora, tantos dias depois, são dilacerantes. Lembram cenários de guerra. As histórias pessoais trágicas se acumulam diariamente nos registros da imprensa. Perdemos nessa grande chuva mil pessoas. Ou mais. Ainda se contam os mortos e se calculam as perdas.

Pela geografia da cidade do Rio e pela insensatez da ocupação descontrolada das encostas, a cidade já viu grandes tragédias. Como a de 1966. Naquela inundação, foi criada a Geo-Rio, que até hoje presta serviços e que tem um banco de dados importante.

Há possibilidades tecnológicas de mitigação dos efeitos de eventos extremos. A esperança de que essa tragédia crie a cultura da prevenção e a política de correção dos excessos pode ser vã, pode ser sonho de uma noite de verão. Mas como disse o "New York Times", o Brasil não é um país pobre, nem um país ao qual falte conhecimento e recursos, mesmo assim pareceu espantosamente despreparado para o que houve na Região Serrana. No Katrina, a nação mais rica do mundo também pareceu despreparada.

O Brasil está numa encruzilhada: ou acredita na urgência e escala a preparação, ou terá de se acostumar com tragédias cada vez piores.

FONTE: O GLOBO

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