Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, abril 15, 2008

Sob a crise


EDITORIAL
O Globo
15/4/2008

A decisão do reitor da Universidade de Brasília, Timothy Mulholland, de renunciar ao cargo foi essencial para a crise que tomou conta da UnB começar a esvaziar-se. Desde a descoberta de gastos injustificáveis feitos por Mulholland com dinheiro da instituição, a universidade entrou em pé de guerra, culminando com a ocupação da reitoria pelos estudantes.

Aqui, um parêntesis: ocupação da qual a UNE manteve distância, já que, ao se converter em correia de transmissão do governo, de quem passou a receber verbas, a entidade perdeu o vigor do passado. Como as centrais sindicais - e pelo mesmo motivo.

Voltando à UnB, a crise certamente será superada, mas ficarão expostos os danos causados ao conceito de autonomia universitária como ela tem sido entendida e praticada.

Não deve ser coincidência que um outro reitor, Ulysses Fagundes, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), se encontre às voltas com o mesmo pesadelo do colega da UnB. Se Mulholland começou a virar ex-reitor quando foi revelado que o contribuinte havia pagado R$470 mil pela decoração luxuosa do apartamento funcional da universidade, ocupado por ele, Fagundes corre riscos - ou deveria corrê-los - com a divulgação de despesas eminentemente turísticas feitas com cartão corporativo em viagens ao exterior.


Um efeito positivo da crise na UnB é a decisão do Ministério da Educação de rever as normas para a aplicação do dinheiro das fundações universitárias, tornando-as mais rígidas. Afinal, os recursos para decorar o apartamento usado por Mulholland, incluindo a compra da já emblemática lixeira digital de R$900, saíram da Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), da UnB.

Os dois magníficos reitores se nivelaram a milhares de outros funcionários públicos que usaram cartões corporativos como se fossem uma extensão de sua conta bancária. No caso dos reitores, há a particularidade da autonomia universitária, exercida como se os estabelecimentos públicos de ensino superior fossem um mundo à parte, sem qualquer fiscalização, sob controle apenas das corporações que transitam nesse universo. Essa blindagem descabida incentiva comportamentos como o de Mulholland e Fagundes.

Entende-se que a vida universitária necessita de liberdade, sem o que a atmosfera da atividade intelectual fica rarefeita. A autonomia, porém, não pode tornar a universidade uma área cativa de corporações, cujo poder tem sido consolidado por meio de um sistema de escolha de reitores por eleições diretas em que nem sempre os verdadeiros objetivos da Universidade são contemplados. A crise na UnB serve para realçar a questão.

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