Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 13, 2008

RUBENS RICUPERO

Revogando as leis da economia

Se a lei não foi revogada, a situação vai ficar preta com a alta do juro, dólar caindo, saldo comercial encolhendo

QUASE SEMPRE diz bobagem quem afirma que alguma tendência momentânea "revoga leis da economia". Nove em dez casos, a frase vem acompanhada de outra ilusão, a de que "houve uma mudança estrutural".
Foi o que pensaram os americanos no entusiasmo pela bolha eletrônica e influenciados pela exuberância irracional do mercado hipotecário. A "nova economia" teria eliminado os ciclos econômicos. A partir de então, viveríamos felizes para sempre, com Bolsas subindo, economias crescendo, preços estáveis por efeito das importações baratas da China. Parece mentira, mas foi anteontem...
Remexendo meu arquivo implacável, um recorte de dez meses atrás proclama peremptório: "Balança comercial está revogando leis da economia, diz governo". No artigo, esclarece o secretário de Comércio Exterior: "Há certamente uma mudança estrutural da economia brasileira no tocante às exportações".
Elas estariam mais competitivas, compensando a valorização da moeda e tornando "estrutural" o superávit no comércio. Tranqüilizado por essas sábias palavras, parti para longa viagem. Ao voltar, levei um susto ao ler os títulos que me esperavam: "Forte deterioração comercial e cambial", "Aumenta o déficit em conta corrente".
Descobri espantado que, no primeiro trimestre do ano, a importação deu um salto de vara (42%), contra mero salto de altura da exportação (14%). O saldo comercial caiu 67% (de US$ 8,7 bilhões, em 2007, para US$ 2,8 bilhões, em 2008). As estimativas do saldo até o fim do ano variam. Comparados aos US$ 40 bilhões de 2007, o Banco Central projeta US$ 27 bilhões, enquanto o Iedi julga que só chegará a US$ 10 bilhões.
Não bastará para fechar as contas correntes, afundando sob o peso de déficit de US$ 14 bilhões em serviços, da remessa de uns US$ 24 bilhões de lucros e dividendos e outras saídas. Resultado: o Banco Central reviu seu cálculo de déficit em conta corrente de US$ 3,5 bilhões para US$ 12 bilhões em 2008. De dezembro para abril, menos de quatro meses, houve pequeno ajuste para mais de "apenas" uns 350%! E isso em conjuntura de altos preços para commodities.
O secretário de Comércio Exterior (não é mais o mesmo) já não fala em "salto estrutural". Voltou à explicação da apreciação da moeda. Fiquei aliviado, pois desconfiei por momentos que, entre as leis econômicas que o Brasil estava revogando, figurava a definida por Mario Henrique Simonsen.
Com efeito, quando o jornal "Valor" publicou a pesquisa que o escolhia como o maior dos economistas brasileiros, não encontrei, em nenhum dos artigos que lhe foram justamente dedicados, alusão à sua famosa lei: a inflação aleija, mas o câmbio mata.
Ora, se a lei não foi revogada, a situação vai ficar preta com a iminente alta de juros e suas conseqüências: dólar despencando, saldo comercial encolhendo, déficit corrente engordando. Teremos de apostar em coisas incertas: commodities, China, socorro de mercado financeiro internacional cada vez menos líquido e mais avesso a riscos.
A melhoria dos nossos fundamentos nos protegerá, dizem. No entanto, essa proteção se resume, no fundo, ao nível das reservas. Estas, por sua vez, resultam de êxito que não se repetirá: o desempenho comercial recente. É pena, mas a mudança não era estrutural: alguns meses de câmbio torto bastaram para liquidá-la.

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