Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 20, 2008

O torcicolo do presidente Alberto Dines


Publicado em 20.04.2008

A explicação para a contratura muscular no pescoço do presidente Lula foi hábil e, como sempre, bem humorada: surpresa com o aumento exagerado na taxa básica dos juros combinada à derrota do Corinthians. Hipótese não aventada para o incômodo: movimento brusco da cabeça em direção inesperada.

Nas vésperas do Dia do Índio e Dia do Exército, temos um caso de insubordinação castrense causada justamente pela questão indígena. A palestra do comandante militar da Amazônia, general Augusto Heleno, no lendário Clube Militar no Rio de Janeiro não foi ousada apenas pela contundente crítica ao governo, mas porque o palestrante envergava uniforme de campanha. Estava em serviço e questionava ações do governo ao qual deveria obedecer.

O pivô da crise é a questão da reserva Raposa Serra do Sol que ocupa 46% contínuos do Estado de Roraima agora ameaçados por plantadores de arroz não-índios (para usar a terminologia em curso). O governo decidiu expulsar os invasores com a ajuda das forças da Polícia Federal, o STF determinou a suspensão da ação para evitar um confronto capaz de degenerar em batalha campal. O general, assim como grande parte do comando da força terrestre preocupa-se com a integridade territorial do País, opõe-se às grandes reservas indígenas contínuas, especialmente em regiões próximas às fronteiras. Alertados pelos conflitos em enclaves étnicos (como o de Kosovo) que pulverizaram a ex-Iugoslávia, os militares preferem a opção de partilhar a reserva indígena em porções descontínuas.

Problema complicado, envolve segurança nacional e arrasta-se desde o mandato de José Sarney. A procrastinação, como sempre, criou outro problema, este emergencial: a punição que obrigatoriamente seria imposta a um militar indisciplinado embora extremamente qualificado e respeitado.

Com o ego inflado pelos delírios continuístas de aliados, o governo preferiu abancar-se no palanque eleitoral de onde, obviamente, não consegue enxergar questões institucionais de extrema gravidade. No mesmo dia em que o general reavivava o passado incendiário do Clube Militar, o ministro da Justiça Tarso Genro, participava de uma solenidade oficial numa dependência da Polícia Federal onde denunciava a imprensa por pressionar o Supremo Tribunal Federal a interromper a expulsão dos arrozeiros.

Apoiado na sua decantada sabedoria jurídica, o ministro da Justiça só conseguiu identificar um fantasma: os malefícios da liberdade de expressão. A culpa é sempre da mídia, o governo patina na indecisão e os jornalistas são os responsáveis. Tarso Genro não percebe as reais ameaças de ruptura que a vacilação palaciana estimula em diversas frentes.

A amotinação do MST não o preocupa, não vê qualquer risco no descumprimento de sucessivas decisões judiciais, as invasões de prédios públicos pelos sem-terra são irrelevantes. A publicação de um dossiê com dados sigilosos na Casa Civil só o inquieta no aspecto secundário – quem vazou – não se incomoda com o essencial – quem mandou montar o dossiê para ser vazado.

O diretor-geral da Agência Nacional de Petróleo, órgão regulador sem qualquer atribuição de caráter operacional, comete uma indiscrição aparentemente "patriótica" sobre a descoberta de um megarreservatório na bacia de Santos. Favoreceu muitos investidores, prejudicou outros e, sobretudo, comprometeu as normas que disciplinam o mercado financeiro. Até agora não foi repreendido. E certamente não o será, faz parte da base aliada,

Na solenidade do Dia do Exército, sexta-feira última, quem se manifestou a respeito do general Augusto Heleno foi o comandante da Aeronáutica, o brigadeiro Juniti Saito, ao afirmar que "o problema está resolvido". O loquaz ministro da Defesa manteve-se calado. Mas a "boa notícia" sobre o aumento dos militares foi adiada.

Fascinado com a sua imagem refletida no espelho das sondagens eleitorais, preocupado exclusivamente em preservá-la, o governo não olha para os lados. Alertado, o presidente olhou e pinçou o músculo.

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