BRASÍLIA - "Isso aqui é uma desgraceira", costuma dizer Lula. Daí o conselho dele a todo ministro: passar alguns dias da semana em outro lugar. Brasília, segundo o presidente, embota o olhar e drena o ânimo para a gestão e para a política.
A avaliação não é descabida. Brasília reúne muita gente interessante, mas poucas idéias que interessam. O debate é ensimesmado, reflexo tanto da polarização do jogo político como da falta de espaços urbanos de convivência acidental.
Viajar é preciso, portanto. O problema é o encaminhamento que o governo dá a esse diagnóstico.
Não se trata de reproduzir o discurso oposicionista contra a caravana do PAC. Se a repercussão é exagerada, já que em muitos casos ainda não há nada para inaugurar, a responsabilidade não é somente do Planalto, mas também de quem aceita a emboscada midiática.
Tampouco cabe condenar o recorde de visitas a outros países. O interesse brasileiro é cada vez mais internacional. Faz sentido Lula lá.
Vale a pena, porém, notar que o presidente que vive a escapulir da capital nem pensou em visitar as cidades do Nordeste arrebentadas pelas enchentes. Assim como não cogitou pisar em Jacarepaguá, em Campo Grande ou na Baixada Fluminense, focos dramáticos de dengue. Na Roraima dos arrozeiros, nunca apareceu. Podia tirar a limpo ele mesmo as denúncias de trabalho escravo, mas deixar o palácio para se enfiar no interior do Pará?
Pelo jeito, o acidente da TAM estreou um protocolo -Lula, lembre-se, ignorou Porto Alegre e São Paulo e guardou silêncio por dias, convenientemente evitando possíveis protestos e a associação de seu governo à tragédia de Congonhas.
Criar uma agenda positiva não é algo trivial na administração pública. Na economia, que depende de expectativas, ela vale ouro.
Mas Lula leva ao extremo a decisão de só sair na boa. Além de fugir de Brasília, mantém distância das outras desgraças da República.
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