Este é o saldo das eleições na Itália: uma reprise,
sim, mas com uma enorme e boa novidade
Mario Sabino
Silvio Berlusconi não é racista, não é maluco, não é fascista – apesar dos gestos à la Mussolini que fazem a alegria de fotógrafos. Ele é apenas inadequado para ocupar o cargo de primeiro-ministro da Itália, para o qual foi eleito pela terceira vez na semana passada. O diagnóstico do colunista Eugenio Scalfari, fundador do jornal La Repubblica, ecoa o pensamento da maioria dos observadores europeus da cena italiana. Berlusconi é inadequado menos pela incontinência verbal e teatralidade de programa de auditório, e mais pelo que faz em causa própria e não faz em causa pública. Um dos empresários mais ricos da Europa, soberano de um império televisivo e editorial, ele entrou na política no início da década de 90, com o objetivo precípuo de acuar o Judiciário e modificar as leis que embasavam os processos por corrupção e fraude que o tinham como réu. Nos últimos quinze anos, dentro e fora do Palazzo Chigi, sede romana da Presidência do Conselho de Ministros, o hoje septuagenário Berlusconi (71) não se descuidou de três coisas: da pintura do cabelo de uma cor que desafia as leis da óptica, dos liftings e da manutenção na sua alça de mira dos promotores e juízes que tentam acuá-lo. Na última campanha eleitoral, disse que, como primeiro-ministro, instituiria um teste de sanidade mental, obrigatório e periódico, para os integrantes da Justiça. Maluquice? Não, por baixo do acaju inexistente na natureza existe um cérebro – se não maquiavélico, calculista o suficiente em causa própria.
Naquele assunto ligeiramente secundário chamado causa pública, o segundo governo de Berlusconi, de 2001 a 2006, deixou as contas do estado italiano mais arruinadas do que as Termas de Caracalla. Coube a seu sucessor de centro-esquerda, Romano Prodi, cuja personalidade magnética lhe angariou o apelido de "Mortadella", impor sacrifícios, colocar a casa em ordem e, claro, bater recordes de impopularidade – para, agora, devolver o poder a Berlusconi, que obteve uma vitória incontrastável. Será o terceiro governo do Cavaliere uma repetição do primeiro (que durou de maio a dezembro de 1994) e do segundo – de muita falação em prol da modernização das instituições e nenhum resultado? Tudo o que se pode dizer é que ele perdeu o seu maior bode expiatório para justificar a ausência de reformas: a esquerda radical. Desse modo, talvez agora se sinta obrigado a arregaçar as mangas.
A volta de Berlusconi parece reprise, mas a verdade é que as eleições na península trouxeram uma enorme e boa novidade – o fim do comunismo na Itália. Pela primeira vez, desde a derrocada do fascismo, os vermelhos não conseguiram ser representados na Câmara e no Senado. Menos de 4% dos eleitores deram-lhes votos. O addio a Lenin é um fato histórico digno de nota, quando se leva em conta que a Itália era o país mais bolchevique do Ocidente, com um eleitorado que, em meados dos anos 70, chegou perto de colocar o Partido Comunista no poder. Nesse período, sob a batuta do secretário-geral Enrico Berlinguer, o PCI enchia as praças das grandes cidades e, assanhado, permitia-se um distanciamento de Moscou, com a criação de conceitos esdrúxulos, como o "eurocomunismo" – que pregava uma terceira via, nem capitalista, nem soviética, muito pelo contrário. Se você não entendeu, não se preocupe. Ninguém entendeu.
Com a queda do Muro de Berlim, em 1989, o PCI foi se metamorfoseando, até chegar à encarnação atual, o Partido Democrático, um partido de centro com leve verniz social-democrata. Liderado por Walter Veltroni, o jovem (para padrões italianos) ex-prefeito de Roma, o PD lançou-se às urnas contra o Povo da Liberdade, de Berlusconi, sem entrar em coalizão com os nostálgicos do comunismo e sua chusma de incompetentes e corporativistas. Perdeu as eleições, mas se tornou a única oposição digna de nota ao PdL. Aí está outra novidade na Itália: a constituição, na prática, de um sistema bipartidário, que jogou no lixo, além dos comunas autênticos, siglas à esquerda e à direita. A bagunça no Parlamento ficou, assim, mais bem organizada. A única nota dissonante é a Liga Norte, um partido surgido na década de 90 com a singela proposta de livrar o norte da Itália do "jugo de Roma", de lançar os imigrantes ao mar e declarar sua independência, sob o nome de República da Padânia. Seus rituais, que incluem coreografias com desmiolados vestidos de cavaleiros medievais, são uma piada. Seu líder, Umberto Bossi, assemelha-se ao doutor Strangelove do diretor Stanley Kubrick. A Liga, aliada a Berlusconi, saiu fortalecida das urnas e o temor é de que ela, a despeito da limpeza no panorama partidário, reafirme aquele ditado atribuído a Mussolini segundo o qual governar a Itália não é impossível – é inútil. Vediamo.