Entrevista:O Estado inteligente

sábado, abril 12, 2008

André Petry Uma briga das boas


"O Google faz o serviço tecnológico da censura
para agradar à ditadura de Pequim e vem defender
a liberdade de expressão no Brasil encobrindo
racistas e pedófilos"

Há muito tempo, o Ministério Público Federal vem tentando combater a pornografia infantil que se dissemina nos álbuns de fotografia fechados do Orkut, o site de relacionamento mais popular do Brasil. Mas o Google, dono do Orkut, não ajuda. Quase dois anos atrás, a pendenga chegou à Justiça. É uma briga das boas porque discute o combate a crimes como ódio racial e pedofilia na internet, e seu pano de fundo é o debate sobre liberdade de expressão, garantia de privacidade e direitos do consumidor – tudo, é claro, com uma pitada de malandragem.

Na semana passada, a CPI da Pedofilia patrocinou um acordo entre o Ministério Público e o Google que merece aplausos. Aplausos dos usuários do Orkut, cuja maioria não está ali para cometer crimes, e aplausos dos pais de usuários do Orkut, que têm o direito de não gostar da idéia de ver seus filhos pregados num site utilizado por racistas e pedófilos. Nos termos do acordo, o Google concordou em manter os dados de usuários suspeitos por 180 dias, e não apenas trinta, como vinha fazendo. Também anunciou a instalação de um filtro para evitar a circulação de fotos pornográficas de crianças e terá de quebrar o sigilo de mais de 3.000 álbuns fechados. São aqueles álbuns aos quais só se tem acesso com a autorização do dono e que, por isso mesmo, viram clubes virtuais de pedófilos impunes.

A briga é boa porque há bons argumentos dos dois lados. É o combate ao crime em conflito com o direito à privacidade e, muitas vezes, à liberdade de expressão. O Google, no entanto, já andou utilizando argumento malandro para não ceder aos pedidos de informações sobre seus clientes. Já disse que o Orkut não lhe pertence, sendo apenas um parceiro de negócios virtuais, ou que apenas a sua sede mundial, na Califórnia, retém dados dos usuários. Era como dizer que aos brasileiros restavam apenas duas opções: recorrer à Justiça americana, o que é inviável, ou reclamar para o bispo, o que é inútil.

Quando o Google se coloca na posição de quem defende a liberdade de expressão, dá esperança de que a rede mundial pode ser mantida como um território livre. Um exemplo: o bispo Edir Macedo, da Igreja Universal do Reino de Deus, queria que o YouTube, site de vídeos que também pertence ao Google, retirasse do ar as imagens em que aparece ensinando aos pastores como arrancar dinheiro dos fiéis. A Justiça mandou o bispo passear. Entendeu que o vídeo era de interesse público. Mas, como se sabe, nem sempre a defesa da liberdade de expressão é o negócio do Google. Um exemplo: para entrar na China, concordou em bloquear o acesso dos chineses a páginas que o governo considerava indesejáveis.

A briga é mesmo boa porque com ela é que se vai descobrir como evitar que a internet seja um espaço sem lei, um faroeste cibernético, sem perder seu atrativo inigualável de liberdade ampla, de fronteiras rompidas, de ser tão revolucionária hoje como foi a tipografia há seis séculos. Mas estava ficando difícil para o Google fazer o serviço tecnológico da censura para agradar à ditadura de Pequim e vir defender a liberdade de expressão no Brasil encobrindo racistas e pedófilos.

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