Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 20, 2008

Alberto Tamer É o etanol de milho que provoca a fome

Mais um festival de críticas e condenação ao uso do biocombustível para conter a poluição e reduzir a dependência de um petróleo enlouquecido que já passa de US$ 116 o barril. Agora, ele é acusado de delito "moral" pelo diretor-gerente do FMI, Dominique Strauss-Kahn. Comida é para alimentar pessoas, não motores, foi o que, no fundo, ele quis dizer. Mas não disse tudo, como deveria.

É verdade que, cuidadoso, condenou o uso em "grãos", mas não foi suficientemente corajoso para apontar o dedo para os EUA e a Europa e acusá-los de usar milho, trigo e beterraba (açúcar), alimentos nobres, para produzir etanol. Não, não disse. Nem teve a honestidade que o seu cargo exige, a de afirmar que o etanol de cana não se inclui na sua crítica.

Mais ainda, não reconheceu, como deveria, se fosse imparcial, que o Brasil está aumentando soberbamente sua produção de grãos e outros alimentos ao mesmo tempo que aumenta também a produção de açúcar e etanol, um etanol que custa a metade do que vem do milho.

O sr. Strauss-Kahn queria marcar presença nesse debate e marcou - de forma pouco honesta. Não mentiu. Só faltou com a verdade.

FAO, MAIS HONESTA

Ainda bem que o diretor-geral da FAO, Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação, Jacques Diouf, foi mais franco. Reconheceu o problema da fome, do grande aumento dos preços dos alimentos, mas, em vez de atribuí-lo ao etanol de cana, que reduz a nossa dependência dessa praga do petróleo muçulmano, agora a incríveis US$ 116, acusou sabe quem? Os países ricos, os desenvolvidos.

Ele afirmou que, se houvesse decisão política, a produção mundial de alimentos poderia crescer muito a curto prazo. Mas há mesmo falta de alimentos? Ele denunciou que entre 40% e 60% da produção agrícola mundial é perdida por falta de armazenamento adequado. E, enquanto isso, grande parte dos 936 milhões de africanos estão passando fome. Muito honestamente, portanto, ele se recusou a atacar os biocombustíveis, talvez para não ser leviano como o sr. Strauss-Kahn.

AS DUAS FOMES

Mas e a fome que existe, sim, e é gravíssima? Ele se associa ao seu colega diretor-executivo do Programa de Alimentos das Nações Unidas, James T. Morris. Para ele, a fome é, antes de tudo, um problema político que se combate em duas frentes conjuntas e simultâneas: produzir mais nos países grandes produtores e estimular e ajudar, via ONU, outros a plantar.

FOME, PROBLEMA DOS RICOS

A segunda frente - esta, sim, decisiva e urgente - é socorrer as populações famintas e desnutridas, que se concentram e estão morrendo mais na África, em algumas regiões da Ásia e na América Latina. São necessários ao menos mais US$ 800 milhões. Mas os cofres dos países ricos se fecharam. Não o necessário para aplainar a fome dos famintos e evitar que mais seres humanos se enterrem nas trevas da morte. As organizações internacionais que socorrem essas populações não estão conseguindo os recursos de que precisam. Seus cofres estão vazios. Precisam de mais dinheiro para comprar comida, porque os preços aumentaram e não se pode esperar que recuem a curto prazo. E é por isso mesmo que os países ricos, doadores, deveriam abrir seus bolsos e anunciar, como agora o fez Sarkozy, que a França vai doar mais dinheiro na luta contra a fome. Se os preços aumentaram porque muitos estão comendo mais, que os países mais ricos aumentem também o valor das suas contribuições. A Europa e os EUA, que têm um PIB somado de US$ 28 trilhões, quase a metade do mundial, não vão ficar mais pobres, ao contrário, vão ficar mais ricos, pois poderão beneficiar seus produtores, comprando deles os grãos que vão doar.

Mas os bolsos dos países ricos parecem fechar-se, indiferentes; esses países preferem participar de reuniões gloriosas nas diversas capitais do mundo para "discutir" o problema da fome.

CRISE PODE SER MOMENTÂNEA

Mais ainda não há falta de grãos. Os estoques estão mais baixos por três motivos: perda de safras provocada pela seca e, na África, por distúrbios e guerras tribais; isso deverá ser superado em alguns anos. O segundo é a entrada maciça de centenas de milhões de pessoas que passaram a se alimentar melhor ou apenas estão se alimentando mais, por exemplo, na China, na Índia e no Brasil!; com a desvalorização dos ativos financeiros gerando insegurança, os investidores se apegam às commodities agrícolas, pressionando os preços. O aumento brutal do petróleo provocou uma explosão dos preços dos fertilizantes, onerando fortemente os custos de produção. Finalmente, com a valorização das commodities, os agricultores preferem reter suas safras à espera de melhor preço.

E O PROBLEMA SR. STRAUSS-KAHN?

E aqui fica a pergunta ao sr. Strauss-Kahn e ao presidente do Banco Mundial, sr. Zoellick: onde o etanol de cana-de-açúcar do Brasil entra nisso?

Por que acusá-lo com tanta veemência? Ou, mais ainda, por que não distingui-lo do etanol de milho e, acreditem, de trigo e beterraba, na Europa? Isto, sim, é um problema moral. Queimar trigo quando há gente passando fome.

E O MERCADO ESTÁ SORRINDO...

O mercado financeiro passou galhardamente por mais uma semana, com a bolsa americana, airosa, registrando alta entre 1,85% e 2,6%, chegando a quase 3%, com muitos investidores realizando lucros. Foi uma festa. Curiosamente, isso ocorreu mesmo após divulgação de resultados com novas perdas bilionárias de grandes bancos; é que eram esperadas perdas maiores. Como não houve o pior, o bom está sendo ótimo. "Realmente, temos razão para acreditar que não há mais perigo de uma explosão catastrófica (no sistema financeiro). Vamos ter tropeços, mas não é o fim do mundo", afirma Harold Simons, da Bianca Research de Chicago, ao The Wall Street Journal.

Aqui entre nós, meu caro leitor, será que vocês já não leram isso na coluna?

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