Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, abril 03, 2008

Alberto Tamer - Mercado reage após o furacão



O Estado de S. Paulo
3/4/2008

As bolsas americana e brasileira avançaram dramaticamente na terça-feira, com índices de até 3,6%, e os bancos suspeitos ou com dificuldades declaradas conseguiram captar bilhões de dólares em novas ações. Até os investidores que tinham fugido para as commodities estão voltando. O caos foi adiado...

A demanda por ações do Lehman Brothers superou a oferta, e nem o anúncio de novas perdas do UBS afetou o mercado, que saiu da depressão iniciada com o caso do Bear Stearns. O banco suíço anunciou que fará lançamento para captar mais de US$ 10 bilhões, ao mesmo tempo que recebeu aportes de um investidor desconhecido, presumivelmente do Oriente Médio.

Ou seja, ao contrário das crises passadas, há muita liquidez, muito dinheiro ocioso em busca de oportunidades no mercado. E elas estão aí.

O TRIMESTRE PASSOU ...

... e o caos anunciado não chegou. A bolsa americana fechou os três meses com quedas médias de 9%, bem melhor do que muitos alarmistas previam. As commodities não despencaram.Fecharam o trimestre com alta média de 9%. E até mesmo o petróleo, cansado de subir tanto, fez menos estragos, com um aumento de preço de 5,9%. Muitos analistas afirmavam ontem que foi o pior trimestre desde 2002. Diziam isso sem ter o cuidado de diferenciar as duas situações. Preferiam não lembrar que em 2002 não houve uma crise financeira da proporção da atual.

Nesse balanço trimestral que todos esperavam terrível, o resultado é até positivo, nas circunstâncias atuais. Então tudo passou? Não. Deve vir mais turbulência, pois ainda não se conseguiu avaliar o total das perdas. Hoje, parece não haver mais dúvida de que os EUA e a União Européia vão ter de aumentar o socorro aos bancos e aos compradores de imóveis insolventes. É dinheiro público, sim, mas parece não haver saída. A alternativa seria um abalo de todo o sistema financeiro, com efeito em cadeia na economia e na sociedade.

BERNANKE E A RECESSÃO

Os sites das agências e dos jornais davam ontem destaque às afirmações de Bernanke de que a economia americana vai se retrair no primeiro semestre e que “pode até não crescer nada”. Ao mesmo tempo, ele afirmou que o principal a ser feito no mercado financeiro já foi feito, e que não será preciso muito mais. Alguns entenderam isso como uma possível não redução da taxa de juro, mas isso não ficou claro; talvez ele estivesse se referindo apenas ao socorro aos bancos. Ele acha, agora, que a recessão é possível, mas acredita que a economia vai se expandir “ligeiramente” no segundo semestre. Resumindo sua fala: o cenário piorou desde o seu último depoimento na Câmara dos Deputados, mas não tanto, e caminha para melhorar a partir de junho.

Ontem, o Banco Central Europeu ofereceu mais US$ 55,3 bilhões ao sistema e reafirmou que esse é o seu tratamento para a crise; não pensa em redução dos juros, pois a inflação já está em 3,5%.

EUA CONTRADITÓRIOS

Ainda ontem, mais dados econômicos contrastantes nos EUA: em março, o emprego aumentou, as demissões recuaram 26%, mas as encomendas feitas às indústrias caíram 1,3%. Isto é, o mercado de emprego ainda resiste (o que surpreende nesse clima de forte retração), a demanda vacila, mas não despenca; no entanto, as indústrias devem produzir menos. O efeito dessa equação pode surgir em abril, com uma retração no mercado de trabalho; isso, porém, poderá não ocorrer, se as exportações continuarem crescendo no ritmo atual. China e Europa ainda estão absorvendo o excesso de produção dos EUA.

LULA: “CRISE PREOCUPA”

A coluna louva o realismo do presidente, que pela primeira vez admitiu que a crise americana é séria e preocupa “todas as pessoas de bom senso”.

“Uma recessão prolongada nos EUA pode ter reflexos na economia mundial e o Brasil não estará imune”, disse em tom grave e com rosto sisudo. Um dos méritos de Lula tem sido saber recuar quando preciso. Há uma tempestade se armando lá fora e o Brasil não está imune. Isso é o que vem afirmando esta coluna há meses, refletindo os economistas mais lúcidos e contrariando a euforia do governo, que diz que “o problema não é nosso, é deles”, no que ainda é mestre o ministro Guido Mantega, da Fazenda.

JUROS? É HORA DE PERSISTIR

Mais um acerto do presidente: diante das pressões para evitar que o BC aumente os juros por causa da evidente pressão inflacionária, Lula foi muito claro: não vamos mudar a política (monetária) que está dando certo, “ainda estamos consolidando determinado jeito de governar e não pretendemos facilitar um milímetro sequer”. Para ele, tudo deve ser feito para evitar a “doença desgraçada da inflação”. Conclusão: que se aumente o juro, se for mesmo necessário.

Para o presidente, e para quem tem algum senso de responsabilidade, o importante é crescer de forma consistente, mesmo com alguns recuos, sem o efeito ilusório e corrosivo da inflação.

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