Realismo tarifário
Ao longo de dois meses de campanha eleitoral, a presidente Dilma repeliu reajustes bruscos de preços e tarifas. "Sem tarifaços" – avisou; Mas o represamento dos preços produziu mais estragos do que os que o governo pretendia evitar
Sai o tarifaço e entra o realismo tarifário. Na prática, os preços da energia elétrica ao consumidor darão um salto de vara e a inflação dos próximos meses refletirá o acontecido. A consequência desejada é menos artificialismo e, se tudo der certo, o início da retomada da confiança.
Ao longo de dois meses de campanha eleitoral, a presidente Dilma repeliu reajustes bruscos de preços e tarifas. "Sem tarifaços" – avisou. Mas o represamento dos preços produziu mais estragos do que os que o governo pretendia evitar.
No caso da energia elétrica, houve em 2014 brutal aumento de custos com o acionamento das termoelétricas que, em princípio, estavam lá só para emergências. Com a seca, a emergência virou permanência.
A maioria das térmicas opera com derivados de petróleo (óleo combustível e óleo diesel). Para que não houvesse mais inflação, o governo segurou o quanto pôde as tarifas. Repassou parte para o Tesouro (para o contribuinte), outro pedaço foi para a conta de luz e a terceira fatia foi transformada em papagaios pendurados nos bancos.
Esse tipo de distribuição de contas cria as distorções já conhecidas: infla as despesas públicas, semeia incertezas – porque ninguém fica sabendo quando as tarifas serão liberadas – e deixa o consumidor final à vontade para gastar luz, porque o preço baixo não o leva a economizar. Esse tipo de política aprofunda a falta de confiança e aí as consequências já não podem ser medidas.
A decisão tomada segunda-feira foi repassar os novos aumentos de custos para o consumidor (realismo tarifário). Isso significa que as transferências de R$ 9 bilhões previstas no projeto do Orçamento da União para as companhias de energia não acontecerão mais. O governo concordou com que os R$ 2,5 bilhões de restos a cobrar fossem cobertos com empréstimos bancários, para serem transferidos à conta de luz mais à frente. Mas é a última vez que isso acontece – é, pelo menos, o que se garante.
Nesta terça-feira, em café da manhã com jornalistas da área econômica, o ministro Joaquim Levy avisou que o Banco Central não vai ser deixado sozinho no combate à inflação. A política fiscal (controle das receitas e despesas do setor público) também ajudará a política monetária (política de juros). Isso não foi assim desde que Antonio Palocci deixou o Ministério da Fazenda, em 2009. Mantega esteve às turras com o antigo presidente do Banco Central Henrique Meirelles, e, ao longo do primeiro governo Dilma, passou a pressionar Alexandre Tombini para não denunciar a usina de inflação com gastos públicos.
A nova política não se limita à energia elétrica. "O realismo tarifário é importante sinal para os preços" – avisou o ministro Levy. Portanto, o atraso do importante segmento dos preços administrados (25% da cesta de consumo) parece com os dias contados. O sinal mais importante é o de que as coisas não deverão mais acontecer porque o ministro, ou sabe-se lá quem, assim o arbitrou. As regras do jogo serão mais impessoais e mais claras.
Mais do que sinal para os preços, a decisão é indicação de que a política econômica experimentalista ficou para trás. Só não dá para ter certeza disso porque a presidente Dilma está sujeita a recaídas. É por isso, também, que a volta da confiança demora um pouco mais.
CONFIRA:
É o atraso dos preços administrados.
Assunto da Petrobrás
Ontem, o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, avisou que os preços dos combustíveis são assunto da Petrobrás. Pareceu dizer que o governo não vai se meter. Uma coisa é dizer e outra, fazer. O ministro anterior, Guido Mantega, também dizia que o reajuste dos preços dos combustíveis era assunto da diretoria da estatal. Na prática, quem autorizava ou não autorizava os reajustes era ele próprio. Hoje, a Petrobrás não tem concorrência, mas pode começar a ter se as importações de combustíveis forem liberadas.
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