José Paulo Kupfer
Quase com precisão de um relógio, a economia brasileira, nos anos recentes pós-Plano Real, tem passado por episódios de ajuste fiscal que resultam em aumentos periódicos da carga tributária. Os saltos na relação das receitas de tributos com o PIB costumam ocorrer no início dos mandatos presidenciais e está claro que o fenômeno se repetirá, mais uma vez, na abertura do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff.
Já estão dados como certos não só o aumento das alíquotas da contribuição sobre combustíveis (Cide), como também a incidência do PIS/Cofins sobre a distribuição de cosméticos e a elevação das alíquotas desses tributos sobre bens importados. Há ainda um crescente zumzum-zum em torno da revisão para cima das alíquotas camaradas do Imposto de Renda cobradas hoje das "empresas individuais", inscritas no regime do Simples Nacional, conhecidas como "PJs". É razoável apostar que, no fim do ano, a carga tributária, na metodologia de cálculo da Receita Federal, poderá aumentar em torno de meio ponto percentual e superar 37% do PIB.
A bem da verdade, este é um fenômeno histórico. Desde que a carga tributária começou a ser calculada, em 1947, a curva da sua variação ano a ano mostra uma evidente tendência de alta. Em pouco menos de sete décadas, dos 13,8% do PIB iniciais aos quase 37% atuais, a carga tributária subiu duas vezes e meia, numa marcha contínua, com poucos intervalos de estabilidade.
Dois momentos marcantes de reformas na vida econômica nacional — a reestruturação da economia de viés liberal, levada a efeito nos primeiros dez anos da ditadura militar, na década de 60; e a reorganização promovida a partir da estabilidade monetária obtida com o Plano Real, ao longo da segunda metade dos anos 90 — coincidem com as mudanças de patamar mais acentuadas na carga tributária. Mas as razões capazes de explicar uma e outra são diferentes e quase opostas.
O pulo de 16% do PIB, em 1963, para 25% do PIB, em 1972, se deveu, ainda que não integralmente, ao forte crescimento da economia, ao ritmo de dois dígitos anuais, no período do "milagre econômico". Já o avanço da década de 90, quando a carga avançou de 25% do PIB, em 1993, a 32% do PIB, em 2002, se deu em função da necessidade de conter a expansão da dívida pública, depois das profundas acomodações promovidas com o fim da hiperinflação e a volta da estabilidade monetária, em contexto de crescimento mais moderado.
Há, de outro lado, uma semelhança entre as características do ajuste fiscal realizado na esteira das mudanças produzidas pelo Plano Real e as causas do aumento da carga tributária, no período subsequente, de Lula e Dilma. Elas derivam da necessidade de rearrumar a economia depois de forte expansão dos gastos públicos. É assim que a carga sobe a 33% do PIB, em 2003, e, depois de um intervalo de estabilidade, dá um salto para 35% do PIB, em 2011, primeiro ano de Dilma 1, em resposta aos desarranjos macroeconômicos originados com a política anticíclica empreendida pelo governo para enfrentar a crise global de 2008.
Por trás da marcha batida da carga tributária ao longo das últimas décadas, esconde-se um sistema tributário disfuncional, socialmente injusto, economicamente desestimulante e institucionalmente ineficaz. Observada no conjunto, a carga tributária brasileira, tão elevada quanto a de países desenvolvidos de renda alta, revela distorções gravíssimas. Desagregada por classes de renda, mostra outra realidade. Os mais pobres, com renda até dois salários-mínimos, contribuem, proporcionalmente, como os ricos dos países mais ricos, enquanto os mais ricos, com rendimento acima de 30 mínimos, pagam tributos como a média cobrada nos países emergentes e nos mais pobres.
Os aumentos de tributos que agora virão, por isso mesmo, estarão condenados a repetir os quebra-galhos de sempre e logo novas altas da carga tributária serão promovidas, se não for, enfim, enfrentada a obrigação de encarar uma reforma tributária digna do nome.
José Paulo Kupfer é jornalista
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