O GLOBO - 08/05/12
No mês passado participei na Casa Branca de um encontro entre rabinos e imãs com o objetivo de aproximar as comunidades judaicas e islâmicas. O encontro visava a estender a América Latina e Caribe uma experiência importante nos Estados Unidos. Com a intenção de corrigir a percepção equivocada de que as comunidades são essencialmente antagônicas e hostis, foi criado um relevante projeto de intercâmbio. Entre as iniciativas, mais de uma centena de rabinos visitou e predicou em mesquitas, e um número igual de imãs o fez em sinagogas para minorar o estranhamento e a desconfiança.
No entanto, uma ação em particular gerou em mim um sentimento de esperança. Para além das intenções nobres, as lideranças encontraram um promissor território de cooperação e de identificação - o de se solidarizar com as aflições do outro.
Num conto judaico um amigo pergunta para o outro: "Você é meu amigo?" O outro responde: "Claro!" O primeiro prossegue: "E acaso você sabe o que me aflige neste instante?" "E como vou saber o que te aflige neste momento?", reagiu o amigo. O primeiro concluiu: "Mas, se não sabe o que me aflige agora, como pode ser meu amigo?"
Foi nesse espírito que rabinos nos Estados Unidos se fizeram entre os primeiros a denunciar situações de islamofobia e líderes muçulmanos a se pronunciar contra a negação do holocausto. Já havia na experiência judaica a memória da aproximação gerada entre as comunidades judaicas e negras nos Estados Unidos, quando judeus e rabinos cerraram fileiras com Martin Luther King na afirmação de que a causa de uma minoria é a causa de todas as minorias. Ambas as questões, islamofobia e antissemitismo, representam o sofrimento do outro. E para sermos amigos temos que estar sensíveis à angústia do outro.
Levar a mensagem para dentro da comunidade judaica e endossar publicamente que a comunidade islâmica é constituída de pessoas de bem e que, como qualquer outra, busca dignamente o trabalho, a constituição de famílias e zela por princípios de paz e respeito, é fundamental quando episódios e grupos isolados tentam representá-la como radical e violenta gerando discriminação e constrangimento.
É significativo que escolas islâmicas nos Estados Unidos estejam levando crianças para visitar o museu do Holocausto e que líderes muçulmanos estejam visitando Campos de Concentração para combater a negação do Holocausto e do antissemitismo enquanto rabinos denunciam formas de islamofobia. É que o mensageiro modifica por completo a percepção da mensagem exponencialmente ampliando sua credibilidade. Não se trata de um truque de defender causa própria pela do outro, mas da aproximação por reconhecer que o sofrimento dói igual e que não podemos fazer ao outro o que não queremos que façam conosco.
Estender este processo ao nosso Brasil é um desafio. Ainda estamos por criar esta consciência entre as lideranças e aproximá-las. Ao mesmo tempo, temos uma experiência ímpar de convívio entre as comunidades.
Quando um defende o outro pode inicialmente parecer estranha a identidade do mensageiro. Mas libera a mensagem em si de qualquer estranhamento. Assim, advogando pelo outro, exortamos não a nossa causa particular, mas a de todos.