Nove da noite no horário local - uma hora a menos que no resto do Brasil -, e eu estou no aeroporto de Sinop, em Mato Grosso. Espero o avião para Alta Floresta. O aeroporto parece ter sofrido uma devastação. Está em obras. O espaço que já era mínimo ficou ainda menor com as áreas isoladas pelas fitas amarelas e pretas. Não há lugar para sentar e esperar o avião, que está atrasado. A internet funciona, e a rede tem o nome de "Evo".
Tento achar algo aberto no andar de cima para comprar uma barra de cereais que me aplaque a fome depois de um dia de trabalho sem tempo para o almoço. Tudo o que se vê são cadeiras sobre as mesas e um correntão cercando a geladeira. Haveria suco para vender, se houvesse gente atendendo, mas a única lanchonete está fechada também.
O nome do aeroporto é Presidente João Figueiredo. Nada estranho, afinal, foi na ditadura que nasceram esta e várias outras cidades aqui. Desde então, a região é uma área de expansão de soja, algodão, milho e, sobretudo, pecuária. A floresta é abatida de maneira incessante ano após ano.
As conversas com especialistas e estudiosos - que tive em Sinop, e, no dia anterior, em Campinas - deixaram claro para mim, mais uma vez, que o ruralismo brasileiro é mesmo estranho. Ele avança sua fronteira de culturas de alimentos e pecuária, que seriam modernas não fosse o fato de que destroem áreas protegidas. Descuida-se do respeito aos direitos dos trabalhadores e deixa atrás de si terra degradada. Ele se mobiliza para eleger representantes que tomam o Congresso e invertem a direção do tempo na negociação do código florestal. Era hora de discutir como integrar melhor produção e proteção, mas o ruralismo prefere gastar todo o seu capital político na discussão sobre quantos metros deve haver na beira dos rios. Ele se mobiliza contra a aprovação da PEC do trabalho escravo. E isso nem justiça à classe faz, porque os ruralistas não são todos iguais. Há boas e velhas formas de agir, e as histórias modernas são animadoras.
No final, de tanto brigar para reduzir as matas ciliares, a reforma do código florestal que foi aprovada pelo Congresso criou regras que não fazem sentido. Há várias maluquices. Uma delas é que de tanto suprimir aqui, mudar ali, restaurar acolá, os rios menores são protegidos, os grandes, não. Ficou estabelecido que em rios de até 10 metros de largura é preciso recuperar 15 metros de APP devastada. Mas em rios com mais de 10 metros de largura não é preciso recuperar nada. Apesar de ter passado pelo Congresso, o Código não representa o pensamento majoritário do país. Se a presidente Dilma o vetar, estará dando uma segunda chance ao Congresso, ao patrimônio natural, à agricultura moderna. E isso, democraticamente, é uma das prerrogativas da Presidência. Não será antidemocrático, como tem sido dito. Essa decisão pertence à presidente da República.
Há produtores tentando se regularizar, há dificuldades burocráticas inaceitáveis, e os agricultores brasileiros pequenos, médios e grandes têm problemas que poderiam ser minimizados se o governo os enfrentasse. O curioso é que nenhum dos problemas reais foi tratado. Eles ficaram discutindo os metros de rios, e os tamanhos de APPs (Áreas de Preservação Permanente). Foi um debate mesquinho demais para o tamanho das nossas responsabilidades.
O setor agropecuário é fundamental para o Brasil, mas deveria se articular sobre as questões que reduzem drasticamente sua produtividade, como a logística do país que reduz tudo o que se consegue de ganhos no campo, por exemplo.
Se ficar conhecido internacionalmente - seja isso justo ou não - como um setor que se mobiliza no Congresso pelo direito de desmatar ou que barra a aprovação da PEC que elimina o trabalho escravo, encontrará barreiras comerciais aos seus produtos. Toda vez que tiver que competir isso será levantado contra a produção brasileira. E o setor não precisa disso. Pode e deve modernizar sua representação, seu discurso, sua visão e sua estratégia.
As grandes cidades dessa área do Centro-Oeste se parecem. São sempre superjovens. Alta Floresta completou 36 anos ontem. Sinop tem a mesma idade. Todas levaram a fronteira da destruição para bem dentro da mata. Algumas começam a mudar. Outras ainda acham normal a derrubada da mata da forma mais primitiva do mundo: o correntão.
O avião demorou, mas chegou. Os forasteiros como eu se espantam, mas não os moradores da região: não há qualquer funcionário público passando bagagens pelo detector de metais. Nós simplesmente entramos na sala de embarque. E ponto. É noite sobre a Amazônia. Vou em direção a outra parte desse Brasil imenso que nunca decepciona os jornalistas: há sempre uma notícia em cada parte do caminho.
E o mais interessante é que quando o assunto é a Rio+20 e o desenvolvimento sustentável não se pode ficar apenas no Rio, porque o tema nos leva para os outros pontos do país. Eles se entrecruzam. O Sul, o Sudeste e o Nordeste precisam da Amazônia e do Cerrado. É uma biodiversidade que se complementa de Norte a Sul.
Entrevista:O Estado inteligente
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