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O Estado de S.Paulo - 17/05
Cada vez que trazemos à consciência uma lembrança, ela passa a ter maiores chances de se manter em nossa memória. Cada vez que você se lembra do telefone da sua mãe, a memória do número é reforçada no seu cérebro. Se uma memória não é trazida à consciência, aos poucos ela vai se perdendo.
Há menos de um ano foi descoberto que o processo de trazer à consciência uma lembrança pode ser dividido em duas etapas. Na primeira, a informação é "copiada" para a consciência; na segunda, a informação, que está na consciência, é "reescrita" na nossa memória. Esse processo de "reescrever" apaga parcialmente a memória anterior e a substitui pela nova versão. É devido a esse fato que as memórias mudam com o tempo. Cada vez que elas são relembradas existe a chance de elas serem "reescritas" de forma ligeiramente modificada. Isso faz com que as memórias fiquem frágeis (sujeitas a modificação) por um breve período de tempo (alguns minutos), durante o qual elas estão sendo "reescritas" no nosso cérebro.
Essa descoberta abriu a possibilidade de modificar ou apagar memórias desagradáveis - conforme foi relatada na coluna de 5 de janeiro ("Como apagar memórias sem deixar traços").
Agora, um grupo de cientistas chineses e norte-americanos demonstrou que é possível apagar da memória de ratos lembranças relacionadas ao consumo de cocaína e heroína e dessa maneira diminuir o desejo de consumir drogas. E, mais impressionante, repetiram o experimento em pessoas dependentes de heroína e demonstraram que esse procedimento também é capaz de reduzir o desejo dos pacientes de consumir a droga.
O experimento em ratos é muito simples. Eles foram habituados a viver em uma gaiola com dois ambientes (diferentes formatos e diferentes pisos). Os ratos receberam durante 8 dias doses frequentes da droga. Sempre que recebiam uma dose eram colocados no ambiente 1 por algumas horas. Assim eles se habituaram a sentir os efeitos da droga nesse ambiente 1 - o qual associaram ao recebimento da droga, ficando mais tempo nessa parte da gaiola. Por mais que eles fossem colocados no ambiente 2, eles insistiam em voltar para o local onde poderiam receber a droga. Após dois dias sem acesso à droga, os ratos receberam uma única dose e foram colocados brevemente no ambiente 1 (este passo do experimento tem como função trazer para a memória as experiências relacionadas ao consumo da droga). Em seguida, eles foram divididos em três grupos. No primeiro grupo, os cientistas esperaram 10 minutos e colocaram os ratos no ambiente 2. No segundo grupo, os cientistas esperaram 1 hora antes de colocar os ratos no ambiente 2;. E, no terceiro grupo, a espera foi aumentada para 6 horas. Nos três casos, os ratos foram forçados a ficar 45 minutos no ambiente 2 (essa etapa tem como função fazer eles esquecerem a associação entre a droga e o ambiente 1). Dias depois os ratos foram soltos na gaiola com dois ambientes para testar se eles ainda preferiam o ambiente 1 (associado ao consumo de droga). O resultado foi claro. Os ratos que haviam sido submetidos ao ambiente 2 logo após receberam a droga (grupo de 10 minutos), haviam esquecido a associação entre o ambiente 1 e a droga, deixando de preferir o ambiente 1. Mas se a exposição ao ambiente 2 ocorria duas ou seis horas depois da experiência de receber a droga, a memória que associava o ambiente 1 às drogas não era apagada e os animais continuavam a preferir o ambiente 1. Isso demonstra que é possível remover a associação entre o ambiente 1 e o consumo da droga.
Experimento semelhante foi feito com ratos treinados para se autoinjetar drogas e o mesmo efeito, de apagar as associações de consumo de droga, foi obtido.
Um procedimento semelhante foi utilizado em 66 pacientes dependentes de heroína. Neste caso, o estímulo capaz de trazer à memória as lembranças relacionadas ao consumo da droga foi a apresentação de um filme de 5 minutos contendo cenas explícitas de consumo de droga. Quando apresentados ao filme, os pacientes reportavam um desejo muito alto de consumir a droga, um aumento no batimento cardíaco e na pressão sanguínea. Mas, se nos 10 minutos seguintes ao filme, os pacientes fossem colocados em contato com diversos objetos associados ao consumo de droga (como seringas, cachimbos e agulhas), mas na ausência da droga propriamente dita, a memória que era "reescrita" nos seus cérebros deixava de conter a lembrança da sensação causada pela heroína. Nos dias subsequentes estes pacientes, quando submetidos ao mesmo filme já não sentiam tanta vontade de consumir a droga e sua pressão e batimentos cardíacos não subiam tanto. O estímulo visual de pessoas consumindo drogas já não despertava um desejo tão forte.
Estes resultados são impressionantes pois mostram que um método relativamente simples e não invasivo pode alterar memórias associadas ao consumo de drogas e consequentemente o desejo de consumir drogas.