O Estado de S.Paulo - 01/11/11
A definição, depois de longamente adiada, de um calote de 50% da dívida grega com o setor privado produziu um efeito curioso: uma espécie de inversão da conhecidíssima regra do bode na sala. Depois de retirado o bode, o alívio previsto na teoria não durou mais que 24 horas. E o que apareceu na sala foi a convicção de que são muito mais complexos - e de solução idem - os reais problemas da economia europeia.
Compreender o drama econômico em que se debate a zona do euro - com repercussões óbvias para a economia global - exige, em primeiro lugar, separar as coisas. Não se devem misturar as possíveis soluções para o problema emergencial das dívidas soberanas de alguns países com as medidas capazes de atender às necessidades de ajuste estrutural de toda a economia na União Europeia.
Confusões de enfoque e mistura nas soluções, no entanto, é o que não faltam. Entre lidar, de um lado, com o estoque de dívidas e, de outro, com os fluxos de produção capazes de evitar ainda mais sua expansão, as lideranças europeias, respaldadas em conceitos econômicos convencionais, ainda insistem num caminho com menores probabilidades de êxito.
Demorou, mas enfim passou o tempo em que se pretendia que as economias endividadas da zona do euro resolvessem seus problemas por conta própria, a partir de programas de austeridade fiscal. Tudo o que vinha sendo tentado nesse sentido só resultou em mais problemas econômicos e em perigosíssimo aumento de tensões políticas.
O acordo a que agora se chegou quanto à necessidade de financiar uma reestruturação dos estoques de dívida configura, finalmente, um passo à frente. Mas, diante das hesitações remanescentes, em relação às medidas necessárias para restabelecer os fluxos de produção, o crescimento da economia e o emprego, ainda é um passo no escuro.
Estabeleceu-se, depois de tudo o que antes foi tentado sem sucesso, amplo consenso de que reestruturar dívidas insolúveis, financiar déficits fiscais excessivos e prover recursos para capitalizar bancos afetados pelos créditos riscados era o melhor que a UE deveria fazer - para ela e para a economia mundial.
Houve consenso também de que a missão deveria ser sustentada por um fundo comum devidamente capitalizado para suportar demandas ilimitadas, ainda que temporárias, de recursos. Mas como prover esse fundo do montante requerido para fazer frente à tarefa que lhe foi designada ainda é mais um entre tantos pontos de interrogação.
Reduzir as dívidas a níveis administráveis, controlar os impactos da desalavancagem e financiar déficits fiscais acumulados - conter, enfim, os estoques empilhados no passado - é, apesar de tantas dificuldades, a parte "fácil" da solução do problema. "Fácil" porque significa atacar sintomas - consequências de falhas no funcionamento da economia não detectadas ou, pelo menos, não evitadas a tempo.
A variedade de diagnósticos e soluções oferecidas já mostra que enfrentar as causas estruturais do problema exigirá esforços muito maiores. Essas causas apontam para problemas fiscais ou de balanço de pagamentos? Medidas de austeridade serão capazes de recuperar a confiança de consumidores e investidores ou apenas acentuarão os desequilíbrios? Os custos de manter a união monetária são maiores ou menores do que os de aprofundar a integração regional, incluindo caminhar para um Tesouro comum?
É justo considerar que não se trata de escolhas triviais. Primeiro porque, provavelmente, o melhor caminho indicaria uma mescla de alternativas. Depois - e mais importante - porque o ajuste das economias enfermas da zona do euro não poderá ser bem-sucedido apenas com medidas específicas para elas.
A questão crucial, entre tantas indagações e alternativas, é a seguinte: como economias não competitivas e, portanto, com déficits externos excessivos - que se refletem, no fim do ciclo, em déficits fiscais elevados e dívidas insanáveis - poderão reduzir esses déficits, de forma sustentável, sem uma redução dos superávits no outro lado da equação?
A moral da história é que, sem um ajuste também dos países não encalacrados da Europa, todos os acordos europeus para equilibrar a economia serão parciais e as sombras da ruptura não se dissiparão. A "missão impossível" é convencer as economias europeias centrais dessa fatalidade lógica. O grande obstáculo é que, como diz Martin Wolf, do Financial Times, elas acreditam que dá para bater palmas só com uma das mãos.