O Globo - 24/11/2011
A via crucis do presidente de fato do PDT Carlos Lupi no Ministério do Trabalho tem desdobramentos esclarecedores. Apanhado em mentira perante a presidente Dilma Rousseff e o Congresso, Lupi continua a sobreviver, num desses milagres só possíveis nos tempos que correm na política brasileira.
O ministro havia sido flagrado num crime comum em Brasília, nem por isso sem gravidade: confundir interesses privados com a função pública. Esclarecido, com provas documentais e testemunhais, que se deslocara de fato pelo interior do Maranhão às expensas de empresário privado com interesses no ministério, Lupi se saiu com a desculpa rota da "memória fraca". Dilma aceitou mais esta do auxiliar - ou fingiu acreditar. E enquanto é mantido no cargo, sem qualquer credibilidade - não há contra ele apenas caronas indevidas - , o ministro convocou reunião do partido para apoiá-lo. Desaprovado não seria. Afinal, Carlos Lupi controla o PDT com a manipulação hábil de todas as omissões existentes na Lei Orgânica dos Partidos, sob medida para coronéis interessados em gerenciar legendas como se fossem latifúndios. Não bastasse serem minoria os pedetistas contrários à gestão nada ética do presidente do partido no Ministério Trabalho.
Mas Lupi não recebeu nota pública de apoio, como talvez planejasse, preocupado com a reforma ministerial. Pior, pode até ser jogado ao mar por companheiros temerosos de perder o ministério para outra legenda, caso descubra-se algum novo envolvimento do cacique em algo obscuro, e ele seja defenestrado junto com o partido. O andamento da crise no Trabalho revela por inteiro o absurdo do modelo fisiológico lulopetista de governo, e com base no qual foi montada a maior parte da equipe de Dilma: ministérios e outras áreas-chave do governo têm a escritura passada a partidos, em troca de votos no Congresso.
A presidente, na prática, não governa por inteiro: atua com ministros próprios, de áreas estratégicas (Fazenda, Planejamento, BC, Casa Civil e mais um ou outro posto). O resto --- são quase 40 pastas ---- atua sem comando efetivo, apenas para atender às respectivas corporações, nichos, grupos de correligionários em insaciável busca pelo dinheiro do contribuinte. O poder presidencial é tão relativo que, caído o ministro em desgraça, o Palácio pergunta ao partido do demitido quem será o sucessor.
Há sérios efeitos colaterais dessa renúncia de poder. Por exemplo, Dilma passou um bom tempo sem receber para despacho o peemedebista do Maranhão Pedro Novais, ministro do Turismo indicado pelo senador José Sarney. Era como se não fosse seu ministro. Mas só caiu pelos "malfeitos" descobertos na liberação de verbas para, via ONG fajuta, "treinar mão de obra", o filão descoberto pelos criminosos de colarinho branco de Brasília. Quer dizer, um setor vital na contagem regressiva para grandes eventos no Brasil pode ficar desconectado do Planalto e servir apenas de instrumento de assalto aos cofres públicos por quadrilhas de políticos fisiológicos.
Dilma demonstra incômodo. Tanto que as mudanças feitas na pasta do Transporte não seguiram o fisiologismo ao pé da letra. Mas é pouco. O melhor é que a reforma de 2012 não seja apenas ministerial, mas de métodos.