entrevista:Maria Lígia Coelho Prado,
Professora da USP analisa influência do modelo populista de Getúlio Vargas no atual governo
Daniel Bramatti
A historiadora Maria Lígia Coelho Prado, coordenadora do Seminário Internacional Perón e Vargas, Aproximações e Perspectivas, realizado no início do mês, vê Lula como administrador de uma contradição: busca se apresentar como "pai dos pobres" e, ao mesmo tempo, atende aos interesses dos banqueiros e grandes empresários. Em entrevista ao Estado, ela analisa o que há de herança varguista no atual governo.
Que resquícios do período Vargas a senhora identifica na política brasileira de hoje?
Quando se analisa o que há de Vargas no governo Lula, o que há de populismo, essas comparações carregam um tom pejorativo. O populismo é visto de maneira simplista, se pensa em manipulação, por parte do Estado, das massas trabalhadoras e das classes populares. A idéia é sempre acompanhada de que há um governo que deseja controlar a sociedade e para isso manipula, engana. Mas a resposta positiva da sociedade ao populismo está ligada a uma realização de aspirações. No Brasil é óbvio que há, de um lado, uma melhora no poder de compra dos trabalhadores e, de outro, um sistema de apoio às famílias mais pobres. O apoio que Lula recebe é uma resposta a benefícios reais.
No governo FHC houve uma intenção declarada de promover uma ruptura com a chamada era Vargas. Essa ruptura aconteceu?
Houve ruptura em parte, não completa. É muito difícil desmontar um modelo firmemente alicerçado.
Em alguns discursos, Lula diz que ele e Getúlio são os dois únicos presidentes que se colocaram ao lado dos pobres. Mas o PT, em seu início, se colocava como um contraponto à herança populista. A senhora vê essa contradição no presidente, um pouco herdeiro de Vargas e um pouco contraponto a ele?
O PT se colocava contra o modelo populista porque não pensava numa relação com o Estado que fosse de cima para baixo. Pensava na organização dos trabalhadores para reivindicar de baixo para cima. Mas Lula, para dizer o mínimo, é um político pragmático. Ele tenta se apropriar de uma parte dessa memória do Vargas, então também quer ser o pai dos pobres. Isso é retórica política. Mas, como todos sabem, a política econômica do governo Lula atende aos interesses dos banqueiros e dos empresários.
A estrutura sindical do período Vargas, que o PT combatia em seu início, é identificada com o chamado peleguismo. Hoje vemos que as centrais sindicais estão bastante mansas em relação ao governo, de quem recebem muitos benefícios. Lula também se beneficia do peleguismo?
Acho que essas palavras são muito fortes e muito pejorativas. Mas que há um acordo entre os sindicatos e o governo Lula é indiscutível. Há uma história anterior, um arranjo político. A questão é que o momento econômico é muito favorável. Se fosse um momento de grande recessão, não sei se os sindicatos estariam tão mansos, pois as pressões da base seriam muito mais fortes. Quando falamos em peleguismo isso significa que há uma subordinação e que não há lutas nas centrais sindicais. As coisas não são tão simples assim.
Na América Latina há governos retomando bandeiras como a da estatização de setores fundamentais da economia. É um retorno ao velho populismo ou é um fenômeno novo?
É muito confortável fazer generalizações, então se coloca no mesmo bolo Hugo Chávez, Evo Morales, Michele Bachelet, Lula, Rafael Correa. Mas entre Evo Morales e Chávez, por exemplo, há diferenças muito grandes. Evo é um fenômeno novo, porque vem desse mundo indígena, que sempre foi apartado do mundo da política. E Chávez levanta, fundamentalmente, a bandeira do antiimperialismo. E isso é uma velha história na América Latina.
Quem é: Maria Lígia Coelho Prado
É doutora em História Social pela Universidade de São Paulo
Escreveu O Populismo na América Latina e A Formação das Nações Latino-Americanas