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Em 1981, Leon Hirszman filmou Eles Não Usam Black-Tie, uma peça de Gianfrancesco Guarnieri, de 1958, que tinha feito grande sucesso no país pré-regime militar. Com a ajuda do próprio autor, Hirszman adaptou o texto ao Brasil de então: o do chamado “novo sindicalismo”, de que a figura mais expressiva era Luiz Inácio Lula da Silva. O PT havia sido fundado um ano antes, e Lula disputaria a sua primeira eleição, para governador de São Paulo, em 1982. Em 1958, não havia uma ditadura a ser vencida. Em 1981, sim.
As posições do filme se tornam um tanto esquemáticas, bem ao gosto da esquerda: havia o trabalhador, digamos, “egoísta”, que não pensava nos companheiros (Tião – Carlos Alberto Ricelli); o porralouca, que não media as conseqüências dos seus atos; o operário-militante-pensador (Bráulio — Milton Gonçaves) e o pai de Tião, Otávio (o próprio Guarnieri), que lastima os desvios pequeno-burgueses do filho. Os conflitos todos eram amarrados pelos temores e labutas de Romana (Fernanda Montenegro), mulher de Otávio e mãe de Tião. Bráulio, o ponderado, sabia que é aos poucos que se avança, fragilizando o sistema. Bem, quando os “home da repressão” decidem acertar as contas, adivinhem quem paga o pato. Dois anos antes, Hirszman havia feito o documentário O ABC da Greve, só lançado em 1990, três anos depois de sua morte.
Mapear as personagens do filme talvez rendesse uma arqueologia curiosa das esquerdas. Guarnieri era ligado ao antigo Partido Comunista Brasileiro — que tinha lá suas dissensões com o PT, que não cabem aqui porque o texto ficaria muito longo. Pouco importam as intenções do diretor do filme, o fato é que o roteirista Guarnieri conseguiu fazer de Bráulio, o não-porralouca, o “homem sensato”, aquele que realmente tinha dimensão do processo histórico. Os estouvados, a turma do “vamos pro pau”, acabavam se comportando como aliados objetivos da ditadura. Não custa lembrar que o PCB e Brizola acusavam o general Golbery do Couto e Silva de instrumentalizar Lula para dividir a oposição — o que, em parte, é mesmo verdade. Quem cria corvo amanhece com o olho arrancado.
Embora o filme tenha sido muito bem-recebido no Brasil e no mundo (ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza), lembro-me que os petistas não gostaram muito, não. Houve quem identificasse nos açodados justamente os petistas, ao passo que os moderados, representados por Bráulio (Milton Gonçalves), sabiam das coisas. Eram outros tempos. Mesmo! O PCB, para vocês terem uma idéia, apoiava o velho Joaquinzão, que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e era acusado pelos petistas de “pelego” e de vendido aos militares — de fato, começou a carreira como interventor. Afinal, os comunistas sabiam que é aos poucos que se desgasta o regime... Aquelas divergências, anos depois, resultaram em dois modelos de sindicato: o chamado “de lutas”, que se reuniu na CUT, e o “de resultados”, hoje na Força Sindical. Nota: Joaquinzão, o velho “pelego”, o “vendido”, o “reacionário”, morreu paupérrimo num asilo. Já o seu principal opositor...
No convescote de ontem oferecido pelos sindicalistas aos parlamentares (leiam abaixo), CUT e Força estavam finalmente reunidas. Felizmente, a ditadura acabou. Por obra, é claro, dos moderados, não dos radicais — estes se tornaram beneficiários da obra daqueles e, é evidente, hoje já não merecem mais aquela qualificação, embora não se possa dizer que tenham aceitado plenamente os parâmetros da democracia. Não aceitaram. A festança, note-se, foi um bom exemplo disso.
O que é que a turma comemorava ali? O fato de que há um grupo, hoje, no Brasil, que dispõe de “direitos” a mais ninguém reservados — ou seja, são privilégios. Paulinho da Força e seus amigos da CUT celebravam tanto a manutenção do Imposto Sindical obrigatório, garantida pelo Congresso, como o veto de Lula ao dispositivo que os obrigava a prestar contas da prebenda. Aquele Lula que tanta poesia inspirava na esquerda nos anos 80 pregava, vejam só, o fim do tal imposto — que, dizia, só servia para garantir o caixa dos pelegos...
A “luta”, que alguns pretendiam que fosse revolucionária, com apelos verdadeiramente épicos, terminou com um brinde aos privilégios da Nova Classe Social, a aristocracia sindical que se aboletou no poder e que não aceita ser vigiada pela lei. Estes, meus caros, não só usam black-tie como usam Black Label também. E, com eles, fraudam as regras da transparência democrática. Não é por acaso que uns fazem dossiês enquanto outros tentam calar a imprensa.
É preciso lutar, agora, contra esta nova forma de ditadura. O tempo, vamos ver quanto tempo, vai-se encarregar de evidenciar que ela é bem mais perversa do que parece. Até porque a tomada do estado que está em curso, anotem aí, tem um razão de ser: os negócios. O resto é só verniz militante para enganar os trouxas.
Tim-tim.
As posições do filme se tornam um tanto esquemáticas, bem ao gosto da esquerda: havia o trabalhador, digamos, “egoísta”, que não pensava nos companheiros (Tião – Carlos Alberto Ricelli); o porralouca, que não media as conseqüências dos seus atos; o operário-militante-pensador (Bráulio — Milton Gonçaves) e o pai de Tião, Otávio (o próprio Guarnieri), que lastima os desvios pequeno-burgueses do filho. Os conflitos todos eram amarrados pelos temores e labutas de Romana (Fernanda Montenegro), mulher de Otávio e mãe de Tião. Bráulio, o ponderado, sabia que é aos poucos que se avança, fragilizando o sistema. Bem, quando os “home da repressão” decidem acertar as contas, adivinhem quem paga o pato. Dois anos antes, Hirszman havia feito o documentário O ABC da Greve, só lançado em 1990, três anos depois de sua morte.
Mapear as personagens do filme talvez rendesse uma arqueologia curiosa das esquerdas. Guarnieri era ligado ao antigo Partido Comunista Brasileiro — que tinha lá suas dissensões com o PT, que não cabem aqui porque o texto ficaria muito longo. Pouco importam as intenções do diretor do filme, o fato é que o roteirista Guarnieri conseguiu fazer de Bráulio, o não-porralouca, o “homem sensato”, aquele que realmente tinha dimensão do processo histórico. Os estouvados, a turma do “vamos pro pau”, acabavam se comportando como aliados objetivos da ditadura. Não custa lembrar que o PCB e Brizola acusavam o general Golbery do Couto e Silva de instrumentalizar Lula para dividir a oposição — o que, em parte, é mesmo verdade. Quem cria corvo amanhece com o olho arrancado.
Embora o filme tenha sido muito bem-recebido no Brasil e no mundo (ganhou o Leão de Ouro no Festival de Veneza), lembro-me que os petistas não gostaram muito, não. Houve quem identificasse nos açodados justamente os petistas, ao passo que os moderados, representados por Bráulio (Milton Gonçalves), sabiam das coisas. Eram outros tempos. Mesmo! O PCB, para vocês terem uma idéia, apoiava o velho Joaquinzão, que presidia o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e era acusado pelos petistas de “pelego” e de vendido aos militares — de fato, começou a carreira como interventor. Afinal, os comunistas sabiam que é aos poucos que se desgasta o regime... Aquelas divergências, anos depois, resultaram em dois modelos de sindicato: o chamado “de lutas”, que se reuniu na CUT, e o “de resultados”, hoje na Força Sindical. Nota: Joaquinzão, o velho “pelego”, o “vendido”, o “reacionário”, morreu paupérrimo num asilo. Já o seu principal opositor...
No convescote de ontem oferecido pelos sindicalistas aos parlamentares (leiam abaixo), CUT e Força estavam finalmente reunidas. Felizmente, a ditadura acabou. Por obra, é claro, dos moderados, não dos radicais — estes se tornaram beneficiários da obra daqueles e, é evidente, hoje já não merecem mais aquela qualificação, embora não se possa dizer que tenham aceitado plenamente os parâmetros da democracia. Não aceitaram. A festança, note-se, foi um bom exemplo disso.
O que é que a turma comemorava ali? O fato de que há um grupo, hoje, no Brasil, que dispõe de “direitos” a mais ninguém reservados — ou seja, são privilégios. Paulinho da Força e seus amigos da CUT celebravam tanto a manutenção do Imposto Sindical obrigatório, garantida pelo Congresso, como o veto de Lula ao dispositivo que os obrigava a prestar contas da prebenda. Aquele Lula que tanta poesia inspirava na esquerda nos anos 80 pregava, vejam só, o fim do tal imposto — que, dizia, só servia para garantir o caixa dos pelegos...
A “luta”, que alguns pretendiam que fosse revolucionária, com apelos verdadeiramente épicos, terminou com um brinde aos privilégios da Nova Classe Social, a aristocracia sindical que se aboletou no poder e que não aceita ser vigiada pela lei. Estes, meus caros, não só usam black-tie como usam Black Label também. E, com eles, fraudam as regras da transparência democrática. Não é por acaso que uns fazem dossiês enquanto outros tentam calar a imprensa.
É preciso lutar, agora, contra esta nova forma de ditadura. O tempo, vamos ver quanto tempo, vai-se encarregar de evidenciar que ela é bem mais perversa do que parece. Até porque a tomada do estado que está em curso, anotem aí, tem um razão de ser: os negócios. O resto é só verniz militante para enganar os trouxas.
Tim-tim.