Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 15, 2004

Essa gente nada sabe do que está falando

AUGUSTO NUNES
Que jornalistas não podem ser considerados intocáveis, sabem disso até letras assassinadas por reformas ortográficas. No Estado de Direito, ninguém está acima da lei ou infenso a punições, seja qual for a profissão que exerça.
Que as redações sempre abrigaram delinqüentes, às vezes hospedados em cargos de chefia, disso se sabe graças a jornalistas decentes e capazes de indignar-se. Alguns meliantes foram formalmente denunciados. Livraram-se do merecido castigo graças à praga do corporativismo, sempre cultivada por sindicatos e federações.
Instrumentos para o combate à bandidagem na imprensa não faltam. As normas e sanções necessárias estão nos códigos de ética e na legislação em vigor.
Basta aplicar o prescrito, e deixar o restante por conta dos leitores, donos efetivos de qualquer publicação. Se o jornal que assina não atende ao compromisso de publicar informações consistentes, textos bem escritos e comentários aceitáveis, mesmo que não exprimam seu pensamento, o leitor se vai.
É para evitar tais riscos que jornais e revistas procuram tratar da própria saúde. Imprensa séria não precisa do Conselho Federal de Jornalismo que o governo federal resolveu inventar. A entidade não foi concebida para que o noticiário ganhe em exatidão e qualidade. É só uma esperteza autoritária.
Tratemos do caso com a clareza que se tem evitado. O presidente Lula da Silva, como admitem os próprios assessores, nunca foi de ler jornais. Não gosta sequer de examinar sinopses. Não está preparado, portanto, para discutir o assunto. O ministro José Dirceu é um nostálgico do Granma de Fidel Castro.
No jornal cubano, não há espaço para denúncias contra o governo, nem jornalistas dispostos a escrever sobre os Waldomiros da ilha. Sobram elogios ao governo e louvações a Fidel. A agenda é sempre positiva, como sonha o ministro Luiz Gushiken. Tão positiva como a agenda que pautava, por exemplo, os diários da Alemanha nazista. Veja-se uma reprodução da primeira página do Der Stürmer em 1938. Mesmo fatos aparentemente negativos exibiam a face boa. O extermínio dos judeus, por exemplo.
Querem o conselho, além do governo, zumbis sindicais guiados por jornalistas cuja intimidade com a profissão é tão intensa quanto a convivência entre banqueiro e mendigo. Esses deveriam ser submetidos a uma prova singela: escrever reportagens. Seriam todos reprovados.
Liberou geral A turma da nova gramática resolveu, como se sabe, que na Era Lula tudo deve ser simplificado. Deu pra entender o que foi dito? Então, tudo bem. Os partidários da teoria são premiados nesta edição com dois circunflexos que podem ajudá-los a estender o vale-tudo à linguagem escrita. É difícil alguém acreditar que a placa à esquerda esteja efetivamente propondo a degustação da intragável novidade. Ou achar, ao ver a mudança do acento ocorrida na placa da direita, que o avô do chaveiro usa o chapéu no umbigo.
O sotaque atravessou a homenagem Faz pouco, ao lembrar a bebedeira com Jânio Quadros, mencionei ligeiramente o então deputado Gastone Righi Cuoghi. Hoje meio sumido, ele acumula singularidades na biografia. Começam na certidão de nascimento. O prenome desse neto de imigrantes italianos deveria, por decisão da família, homenagear a finada monarquia brasileira.
Gastão Henrique, assim se chamaria o viçoso bebê nascido em Santos.
Ficaria o Cuoghi ancestral, adornado por aquele h entre o g e o i. Gastão Henrique Cuoghi, esse o nome dele. Encarregado das providências burocráticas, o avô paterno botou o menino no colo, recrutou duas testemunhas e marchou sobre o cartório.
O escrivão quis saber como se chamaria a criança e pediu algum documento ao parente. O velho entregou um papel ao funcionário e declinou o nome do menino.
- Gastão Henrique - tentou dizer. O sotaque fortíssimo não ajudou.
- Gastone Rigui - ouviu o escrivão.
O homem escreveu Gastone sem vacilar. Hesitou centésimos de segundos até decidir que o que ecoara como "Rigui" era também sobrenome, talvez o da mãe. Melhorou a grafia: "Righi", anotou, incorporando o h que combinava com o do "Cuoghi". Ao menos este não permitia dúvidas: estava lá no documento.
Preenchida a certidão, todos assinaram sem nada conferir. Avô, escrivão e testemunhas cumprimentaram-se e partiram. Não se viram mais. Quando alguém da família percebeu o equívoco, era tarde. Gastão Henrique virou Gastone Righi. Cuoghi. - Ficou até melhor - brincava o deputado ao contar a história. - Ninguém esquece meu nome, não há outro no Brasil. E nunca tive problemas por causa de homônimo caloteiro.
Cabôco Perguntadô
Convencido de que o ministro Luiz Gushiken é o primeiro nissei candidato a virar sábio chinês, o Cabôco Perguntadô decidiu mantê-lo sob estreita vigilância. Passa horas procurando trunfos que o ajudem a perturbar com perguntas incômodas o jeitão beatífico de Gushiken. Na semana passada, quando o ministro defendeu a criação do Conselho Federal de Jornalismo, anotou a essência da argumentação do pensador oriental: também a liberdade de imprensa deve ser relativizada, "porque numa sociedade nada é absoluto".
O Cabôco pinçou na memória uma frase célebre do historiador inglês Lord Emerich Acton (1834-1902): "O poder corrompe, e o poder absoluto corrompe absolutamente." Quer agora saber: Gushiken também revogou a hipótese do poder absoluto?
Vitória da imaginação Na campanha de 1998, Paulo Maluf conseguiu eleger o desconhecido Celso Pitta seu sucessor na Prefeitura de São Paulo. Valeu-se de lances publicitários bastante audaciosos, entre os quais um desafio famoso: "Se Pitta não for um bom prefeito, nunca mais votem em mim." Como Pitta foi um desastre e Maluf seguiu caçando votos, não param de cobrar-lhe explicações. Uma das mais imaginosas, surgida na semana passada, transfere o problema para o publicitário que chefiou a campanha de Pitta e agora trabalha para reeleger a prefeita Marta Suplicy:
"A CULPA É DO DUDA MENDONÇA. ELE FEZ A FRASE E COLOCOU NO TELEPROMPTER. EU SÓ LI."
Maluf pode perder a eleição. Mas merece a taça.
Batalha de imagens na internet
Montagem Marcelo Pio sobre foto de Victor Soares/Abr
O presidente da República anda se estranhando com a internet desde que começaram a circular na rede três fotos de uma seqüência na qual figura a reproduzida à esquerda. Lula acredita que alguém recorreu a retoques marotos para mostrá-lo mais suado (nos cabelos e na testa, principalmente) e acentuar o tom avermelhado do nariz. Acha que ficou mal no retrato, colhido em recente festa junina na Granja do Torto.
"Está parecendo que exagerei na bebida", irritou-se o anfitrião da homenagem a Santo Antônio, flagrado no papel de condutor do trenzinho da quadrilha. Modificações encomendadas pela coluna, destinada a melhorar o humor de Lula, resultaram na imagem à direita. Quanto ao responsável pelo vazamento, deve ser procurado na lista de convidados. Dessa relação não consta o nome de nenhum fotógrafo profissional.
augusto@jb.com.br
[15/AGO/2004]
Publicadoem: Sun, Aug 15 2004 10:45 AM

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