Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 20, 2004

Agosto 20, 2004

Agosto 20, 2004
LUÍS NASSIF 20 08 2004 O desafio do MTB


Nos próximos dias, principalmente nós, da mídia, necessitaremos de enorme dose de sangue-frio e capacidade de discernimento. A prisão dos doleiros terá um efeito de rede. Cada doleiro está sendo convidado a apontar cinco de seus maiores investidores. Nesses anos turvos, pela rede dos doleiros passou de tudo, de caixinha de políticos e caixa dois de empresas até aplicações aparentemente lícitas e outras claramente criminosas. Em muitos casos, o investidor acreditava piamente que estava aplicando em um fundo regularmente registrado no mercado brasileiro. Bancos mais agressivos pegavam esse dinheiro e remetiam por meio de doleiros para contas no MTB. Será possível encontrar de tudo, de pais que mandaram dólares para sustentar filhos no exterior a narcotraficantes. Em 1997, a CPI dos Precatórios se perdeu por falta de discernimento e excesso de egos -tanto de parlamentares quanto de jornalistas. Criou-se enorme barafunda, espalharam-se provas por todos os lados, uma mixórdia de reportagens irrelevantes das quais se aproveitavam os mais espertos para esconder fatos e evidências. Aparentemente as investigações, agora, estão sendo conduzidas de forma profissional. Mas já existem cópias de CDs circulando. E as CPIs, hoje em dia, se transformaram em território perigoso, propício a achaques, excessos que, se não forem coibidos a tempo, colocarão em risco a própria democracia brasileira. Pela possível extensão das contas e a quantidade de correntistas, muito provavelmente o governo irá propor uma lei de anistia, tentando internalizar os recursos de origem não-criminosa. Nesse sentido, a anistia poderá ser uma arma para a repatriação de recursos -que poderão ser carreados para investimento. Mas não é tarefa fácil. Passa, primeiro, pela separação entre dinheiro com origem comprovada, dinheiro de caixa dois e dinheiro do crime. O primeiro se regulariza, o segundo se perdoa, o terceiro se pune. Passa, também, por transmitir a confiança de que aqueles que aceitarem a anistia e que não estiverem ligados a atos criminosos não serão molestados no futuro. Uma das fórmulas pensadas é a criação de um tipo especial de investimento externo no Brasil, a partir do qual poderia ser feita a internalização dos recursos. Seja qual for o caminho, há que se resguardar contra o denuncismo. Essa será a arma a ser utilizada para confundir a opinião pública e misturar culpados e inocentes. Ainda mais estando em período eleitoral, propício a catarses e à amplificação de cada sussurro e sabendo que caixinhas políticas de vários partidos transitavam pelas contas do MTB.
Publicadoem: Fri, Aug 20 2004 12:26 PM
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS 20 08 2004 Os riscos do crescimento econômico


Na semana passada, iniciei uma reflexão sobre a dinâmica do crescimento econômico que atinge a grande maioria das economias do mundo neste ano de 2004. Mostrei que existem hoje dois grandes pólos de dinamismo, as economias americana e chinesa, que estão estimulando via comércio internacional a atividade econômica de outras nações. Com isso, o nível de atividade da economia mundial recuperou-se do grande choque recessivo provocado pela explosão da bolha especulativa com ações de tecnologia, no início do novo século, em Wall Street. Como ocorre freqüentemente na história, foram condições não previsíveis pelo ser humano que provocaram essa inflexão na atividade da economia global, a partir de 2003. Muitos analistas vão dizer que a recuperação da atividade econômica foi fruto da conjugação da redução de impostos nos EUA com a política de taxas de juros próxima de zero adotada pelo Fed, a partir da explosão da citada bolha especulativa. Digo eu que essa análise é apenas uma meia verdade, ou melhor, um terço da verdade. Essa receita keynesiana, adotada pelo governo americano, e a ação do Fed tiveram importância na retomada da atividade econômica nos Estados Unidos, mas não explica na sua íntegra o que está ocorrendo no mundo hoje. A eficácia dessa receita keynesiana foi aumentada de forma marcante pela presença da China no cenário internacional. Com a economia chinesa atingindo hoje uma dimensão significativa em relação ao PIB mundial, a intensidade de seu crescimento passou a pesar de forma marcante na dinâmica da economia global dos dias de hoje. Mostrando uma capacidade impressionante de modular estrategicamente seus passos para se transformar em uma das maiores economias do mundo, o governo chinês resgatou a imagem do planejamento econômico estatal, que estava na sarjeta, a partir do colapso do império soviético. Partindo de uma leitura estratégica feita pela liderança do PC depois do colapso do maoísmo, ao longo de mais de três décadas, o governo foi construindo o arcabouço de um sistema econômico híbrido, com planejamento e controle estatal e a liberdade de mercado coexistindo lado a lado. A partir desse desenho feito no passado, as lideranças que se sucederam no governo de Pequim -outra herança dos tempos de Deng Xiaoping- foram tomando decisões temporais com grande eficiência. Mostrando uma grande expertise em economia, construíram um equilíbrio eficiente entre o planejamento estatal e a racionalidade macroeconômica do sistema de mercado. Essa era uma das críticas fundamentais feitas pelos companheiros de Deng Xiaoping ao modelo soviético. Para que uma economia planificada viesse a ter êxito, diziam eles, era necessária a existência de um espaço econômico livre a fim de que os problemas estruturais pudessem ser identificados e enfrentados a tempo. A existência desses sensores de racionalidade seria fundamental para a própria sobrevivência do sistema político. Vários analistas ocidentais que têm acompanhado a política econômica do governo chinês ficam espantados com o nível de seu conhecimento da teoria econômica capitalista e de sua capacidade de articular as ações de mercado com os ditames de uma economia planificada. Tomemos o exemplo do sistema financeiro chinês. A grande maioria dos bancos é controlada pelo governo e responde de forma clara às orientações emanadas de sua cúpula econômica. Mas já há um nascente sistema privado de crédito, inclusive no segmento de financiamento ao consumo, setor em que o sistema bancário oficial não tem grande experiência. Para mim, um exemplo marcante dessa expertise chinesa foi a habilidade em montar um mecanismo de viabilizar suas exportações para os Estados Unidos. O eixo da estratégia chinesa atual passa pela realização de um grande saldo comercial com os norte-americanos, para financiar suas importações de equipamentos e commodities da Ásia, da Europa e do mundo emergente. Para tal, é necessária uma política cambial que evite a valorização de sua moeda em relação ao dólar norte-americano. Isso está sendo obtido via uma intervenção maciça do BC chinês nos mercados de câmbio, comprando o dólar excedente de seus exportadores e reciclando-o de volta aos Estados Unidos, via compra de títulos do Tesouro norte-americano. A questão principal que divide os analistas econômicos hoje é a estabilidade dessa ciranda financeira ao longo do tempo. Voltaremos a essa questão proximamente.
Publicadoem: Fri, Aug 20 2004 12:24 PM
Miriam Leitão 20 08 2004 Razões do petróleo

Temia-se que o petróleo, no ano passado, no começo da guerra do Iraque, subisse muito. Mas ele subiu menos do que se esperava e logo caiu. Este ano, no entanto, a alta do preço superou as previsões mais pessimistas. O petróleo encarece pela soma de crises localizadas em pontos estratégicos, especulação dos mercados futuros e, contraditoriamente, por uma razão boa: uma onda de crescimento mundial não vista há muito tempo. Os Estados Unidos retomaram o crescimento depois de, nos primeiros anos do governo Bush, terem ficado estagnados. A Europa está crescendo, ainda que em níveis menores do que outras regiões, e o Japão cresce acima das previsões, podendo chegar a 4%. A informação que essas boas notícias passam é de aumento da demanda. A informação que as crises localizadas passam é a de limite de oferta. Diante disso, o preço tem subido e é fator perturbador em todas as economias, inclusive a brasileira.
Essa perturbação ocorre exatamente quando o país enfrenta uma subida na inflação, que tem retardado a queda dos juros. A inflação está sob controle, mas a tendência é de alta. A demanda cresce aqui dentro também: as vendas do comércio de lubrificantes e combustíveis, segundo divulgado ontem pelo IBGE, subiram 7,8% em junho. Para o Brasil, tão perto da auto-suficiência, o preço do petróleo atinge mais de maneira indireta que direta. Suprimento está praticamente garantido, o problema é a pressão nos preços. E, quando isso acontece, a conseqüência natural é a redução do crescimento. A volatilidade das cotações também aumenta a instabilidade.
David Zylbersztajn, ex-diretor-geral da ANP, voltou ontem de um seminário no Equador em que estiveram presentes dois ex-presidentes da Opep e especialistas de vários países, principalmente dos dois maiores exportadores da região: Venezuela e Equador.
— A convicção geral era de que não há muito gás para esse petróleo continuar tão alto. Não há nada que justifique subida tão forte. Tanto que as previsões são de que os preços vão cair em 2005 para US$ 30 o barril, ou até menos — disse David, que afirma que um dos motivos da alta é a dimensão que tomou o mercado de futuros de petróleo:
— Hoje o que é transacionado de mercado físico é apenas 10% do mercado mundial de papéis. Ou seja, o volume de transações em papéis é muito maior do que o petróleo que existe sendo vendido e comprado.
O mercado de petróleo sempre será nervoso pelos mais variados motivos, todos conhecidos, mas o que o mercado de futuros adiciona é mais combustível na oscilação dos preços. Este ano, ele está particularmente nervoso.
Quando a Rússia cresceu como fornecedora de petróleo e se transformou no segundo maior exportador, criou-se a expectativa de que haveria um substituto para a Arábia Saudita. Mas a crise da Yukos revelou a dimensão da fragilidade institucional russa. A Arábia Saudita, primeira maior produtora; dona da melhor infra-estrutura de produção, escoamento e exportação, tem sido vista cada vez com mais desconfiança por causa de uma latente instabilidade política. O Iraque está em guerra hoje, como em 2003, mas há muito tem sido posto de lado como fornecedor. É por isso que existe a idéia, explica David, de Opep 10 ou Opep 11: o cartel com ou sem o Iraque.
— Há também aumento da procura por fontes alternativas. O Japão está retomando seu programa de energia nuclear, a Europa passará a ter em 2005 um acordo como o de Kyoto, que vai incentivar o uso de fontes renováveis. Tudo isso tende a impactar o mercado no sentido da queda dos preços — diz.
Este ano, quando não se esperavam altas tão fortes, os preços já subiram, até agora, 40%. A análise de todas as variáveis mostra tendência de queda. Mas, como o assunto é petróleo, a incerteza das previsões é enorme. David Zylbersztajn conta que, quando era professor, preparava ilustrações com previsões feitas pelas agências que acompanham o assunto. E comparava com o que, de fato, havia acontecido:
— Só há uma certeza sobre petróleo: todas as previsões erram.
Ele acha que a Petrobras está perdendo dinheiro — ou oportunidade — com a atual política de preços:
— No resto do mundo, é natural os preços caírem. Aqui no Brasil demora tanto a cair que, quando deveria subir, a correção acaba sendo adiada também. Os preços têm que oscilar como acontece no mundo inteiro.
Na semana em que a ANP fez, sob bombardeio político e petardo jurídico, sua sexta rodada de licitação de petróleo, o ex-diretor-geral da agência, que ajudou a formatar e a implementar o projeto de exploração, licitação e regulação do setor, estava no Equador explicando o que aconteceu aqui com o petróleo nos últimos anos. Os equatorianos, no seminário que contou até com a presença do presidente da República de lá, estão repensando o setor de petróleo deles, tentando despolitizar a companhia de petróleo e implantar um sistema de contratos de concessão e regulação mais parecido com o nosso. Na avaliação geral da reunião, o brasileiro é um modelo que deu certo.
Publicado em: Fri, Aug 20 2004 12:23 PM
Luiz Garcia 20 08 2004 Pasta preventiva


Deve o poder ser exclusivamente fiel à lógica imposta por conceitos e teorias? Ou devoto do bom senso comandado por necessidades práticas? Ninguém precisa responder correndo.
Graças a Deus, nada exige das autoridades constituídas lealdade permanente a qualquer das duas atitudes. Nem é fácil distinguir, à primeira vista, se esta ou aquela decisão teve como parteira a convicção enraizada em princípios ou a aposta naquilo que de repente pareceu mais conveniente.
Um dado é certo e vale ouro: bom mesmo seria ter sempre a possibilidade de escolher um caminho tanto recomendado pelo instinto de sobrevivência como aconselhado pela devoção ao bem público.
O governo Lula apregoa que dar status de ministro ao presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, tem coerência perfeita com a política econômica — que vai bem, obrigado, mesmo que, neste confuso mundo de Deus, não dispense qualquer medida que reforce a estabilidade.
É verdade.
A oposição repudia a versão técnica e denuncia uma manobra de conveniência: Meirelles vem sendo bombardeado por denúncias de mau comportamento, e o novo status lhe garantirá — se necessário for — o foro privilegiado do Supremo Tribunal Federal.
É verdade.
A hipótese de constrangimento legal é remota, mas existe. Curiosamente, até que parece um pouco menos remota depois que se anunciou o novo status do presidente do BC. O que é mais ou menos normal no mundo político.
O debate acontece num momento em que os jornais estão cheios de boas notícias econômicas. Mas especialistas de boa cepa sugerem que o otimismo seja mantido sob severo controle: a política econômica bem-comportada, dizem, estabiliza a situação e cria condições para o crescimento sustentado — mas este não nascerá de parto espontâneo. Exige investimentos pesados, que ainda não foram feitos, em diversos setores da infra-estrutura; e eles certamente não serão fruto de geração espontânea. Já que estamos em tempos de Jogos Olímpicos, ganhamos as eliminatórias mas ainda não apareceram as passagens de avião para Atenas.
Em princípio, parece não haver dúvida de que um Banco Central com forte grau de autonomia mais ajuda do que atrapalha. Mas é triste que a boa iniciativa tenha sido manchada por um episódio de republiqueta: o presidente Lula apressou a assinatura da medida provisória para evitar que o vice-presidente José Alencar, momentaneamente no poder e adversário estridente da política financeira, sofresse o constrangimento de subscrever o documento.
Nada deveria ser mais humilhante para Alencar do que a idéia de que executar um ato de poder pertinente ao seu cargo possa lhe ser vexatória. Ficará bem na biografia política do vice se for provado que a precaução ocorreu à sua revelia. Seria melhor ainda se ele a repudiasse enfaticamente.
Quanto a Meirelles, cabe-lhe, por enquanto, gozo de primícias: é o primeiro ministro a ocupar uma pasta preventiva — como no Foro se diz de um tipo de hábeas-corpus.
Publicadoem: Fri, Aug 20 2004 12:18 PM
Merval Pereira 20 08 2004 Pedras no caminho


A decisão do Supremo Tribunal Federal de considerar constitucional a taxação dos servidores públicos inativos permitiu o início de uma discussão sobre as chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição de 88, fundamental para os destinos do país. O parágrafo 4 do artigo 60 da Constituição, que define o que são cláusulas pétreas, estabelece que “não será objeto de deliberação proposta de emenda tendente a abolir” federação, voto direto, separação de poderes e “direitos e garantias individuais”. Sobre essas questões, o texto original da Constituição tem que ser preservado ou ampliado.
O fato é que as definições ficaram muito amplas e ainda permitem uma interpretação extensiva. Mesmo tendo prevalecido, no julgamento do Supremo, a tese de que não havia direito adquirido em jogo, alguns ministros chegaram a entrar no mérito das cláusulas pétreas, avocadas pela relatora da ação, ministra Ellen Gracie, para acatar a tese da inconstitucionalidade.
Sendo que um deles, Joaquim Barbosa, chegou a afirmar que, se prevalecesse a tese do direito adquirido, não haveria a libertação dos escravos no Brasil. Em alguns votos, houve o entendimento de que as cláusulas pétreas não podem ser intocáveis em momentos de mudanças sociais e econômicas do país.
O economista Edmar Bacha, um dos pais do Plano Real e autor de um trabalho, em parceria com Pérsio Arida e André Lara Resende, sobre a incerteza jurisdicional brasileira e sua influência nas altas taxas de juros, diz que a Constituição de 88 aumentou a incerteza jurisdicional “ao impor restrições a um ajuste fiscal permanente”.
Segundo ele, as cláusulas pétreas, ao assegurar direitos para grupos privilegiados, dificultam o equilíbrio fiscal e provocam soluções “altamente distorcedoras da atividade econômica”, como a cada vez maior carga tributária, com impostos que foram criados para substituir o imposto inflacionário, “em vez de o governo fazer um ajuste fiscal pelo lado da despesa”. Bacha recorda uma tese do presidente do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, sobre o direito social versus o direito legal.
Também o jurista Luiz Roberto Barroso, que fez um trabalho sobre a reforma da Previdência usado pela Advocacia Geral da União na defesa no Supremo, destaca que “em uma época na qual se preconiza uma reaproximação entre o direito e a ética e o pós-positivismo reintroduziu valores como legitimidade e justiça no discurso jurídico” é importante citar fundamentos históricos, sociais e econômicos “que justificam a cobrança de contribuição previdenciária de inativos, diante da situação grave em que se encontra o sistema previdenciário público no Brasil”.
Entre esses “argumentos metajurídicos” que seriam “legitimadores da contribuição”, ele cita o fato de que “em todos os países desenvolvidos pesquisados”, os proventos da aposentadoria e as pensões são inferiores aos valores percebidos pelo servidor em atividade (em média, 25%). “No Brasil, tanto os proventos como a pensão correspondem ao valor integral da última remuneração”.
Ainda segundo o estudo de Barroso, “do ponto de vista da lógica do sistema, a não cobrança de contribuição previdenciária dos servidores inativos importaria em um aumento real por ocasião da passagem para a inatividade, servindo como um incentivo para aposentadorias precoces”. O argumento central do trabalho é o da “legitimidade e justiça” de os inativos contribuírem para a solvabilidade do sistema do qual se beneficiam.
Também o ministro Nelson Jobim citou, em seu voto favorável à contribuição, o “extraordinário rombo” nas contas da União, estados e municípios, caso a taxação dos inativos fosse derrubada. A aprovação, pelo Supremo, de uma decisão soberana do Poder Legislativo, teria o dom de transmitir uma tranqüilidade jurídica importante para o futuro da economia do país. Também a serenidade com que a questão foi discutida, graças à presença na presidência do STF do ministro Jobim, que retirou do julgamento o caráter de confronto com o Executivo, ajudou a criar um clima de estabilidade política que se refletiu no mercado financeiro.
O jurista Luiz Roberto Barroso acha que não houve quebra de cláusula pétrea, porque não havia direito adquirido dos servidores inativos a não serem taxados, e sim “uma expectativa de direito”. Mas considera que as cláusulas pétreas vão ter que ser discutidas. “O Brasil vai precisar fazer com brevidade uma discussão acerca da questão das cláusulas pétreas. Saber quanto é legítimo uma geração condicionar a atuação da geração seguinte, que é o que provoca basicamente uma cláusula pétrea”, diz Barroso.
Segundo ele, o que se tem discutido é que as cláusulas pétreas, que haviam sido concebidas para proteger determinados direitos fundamentais contra os abusos da maioria eventual, “passaram a ser instrumento de proteção de privilégio, e de engessamento da ordem constitucional, que não pode avançar de acordo com a realidade social.” O termo “tendente a abolir” do parágrafo quarto do artigo 60 “pode ser interpretado como vetando qualquer emenda restritiva”.
Luiz Roberto Barroso lembra que em Portugal “essa discussão foi feita há alguns anos. A Constituição era socialista, previa a apropriação coletiva dos meios de produção, estatização. Em 82, quando foi revista, essas disposições eram cláusulas pétreas”. Para ele, no entanto, a discussão acerca do alcance das cláusulas pétreas “não pode começar no Supremo, mas tem que vir da sociedade e terminar no Supremo”.
Publicadoem: Fri, Aug 20 2004 12:16 PM
DORA KRAMER 20 08 2004 Um olhar sobre 2005


DORA KRAMER Partindo do pressuposto de que o Brasil terá, em breve, de definir se vai mesmo integrar o time das nações capacitadas ao desenvolvimento sustentado ou se continuará na ala dos países dependentes das volatilidades externas, o governo federal voltou a falar em transição para outro modelo de gestão, com a escolha de novas prioridades em matéria de gastos, projetos e políticas públicas.
O debate interno está em curso e, segundo um de seus mais entusiasmados participantes, o ministro da Educação, Tarso Genro, a conformação do Orçamento do ano que vem mostrará para qual daqueles dois caminhos será conduzido o País.
Na visão de Tarso Genro, "2005 é um ano-chave" para o governo definir a forma de administração do patrimônio reunido pela aposta na estabilidade e na credibilidade e iniciar o processo de desenvolvimento econômico e inclusão social via distribuição de renda.
Não se trata, pondera o ministro da Educação, de um debate onde se contraponham correntes - como equipe econômica versus área social -, mas do estudo de formas de, sem abrir mão de conceitos já consolidados, pôr o País para funcionar e dar à sociedade informações e sinais claros o suficiente para permitir a percepção desses movimentos.
Tarso Genro admite a existência de falhas em alguns procedimentos, embora considere vencida a validade de discussões sobre quem errou o quê, como, onde e porquê. "Precisamos mostrar que esses bons resultados na economia não foram obtidos por acaso, são conseqüência de decisões corretas, bem definidas e calculadas."
O ministro acha que não se dá visibilidade aos aspectos positivos do governo e se desassossega ante a afirmação de que são praticamente inexistentes.
"Coisa nenhuma, cito vários: a revitalização do setor público financeiro, a viabilização fiscal do Estado a partir das reformas tributária e da Previdência, a redução do porcentual da dívida em dólar, o resultado das exportações - tudo isso mostrando que a retomada do desenvolvimento não foi só fruto de bom comportamento em relação ao FMI -, a ampliação de parcerias em conseqüência da política internacional e o combate firme ao crime organizado."
É a esse conjunto que Tarso Genro se refere quando fala do patrimônio construído no primeiro ano e meio de governo Lula e que, reconhece, acabou perdendo espaço no balanço de acertos e desacertos percebidos pela opinião pública.
O ministro acha perfeitamente possível corrigir esse desequilíbrio. "Feito isso, demonstrado que há projeto e já apresentou resultados, vamos definir uma forte hierarquia de gastos públicos sob o comando direto do presidente da República."
O ministro está particularmente otimista a respeito das escolhas de Lula para 2005, por causa do aumento de 32% da verba para as universidades públicas e dos R$ 51 bilhões do Fundeb, novo fundo destinado à educação básica, do 1.º e 2.º graus. "Só com esse crescimento já registrado, a indústria começou a reclamar de falta de mão-de-obra qualificada. Isso mostra como é prioritário o investimento em educação."
Outra prioridade, na opinião de Tarso Genro, deve ser a infra-estrutura, "pelo papel central que ela terá na consolidação e no aumento das exportações, fundamental na sustentação do desenvolvimento".
Mas, considerando que esse tipo de debate não é novo e é sempre desviado para o rumo da briga interna, o que garante que desta vez há chance de ser diferente?
Na concepção do ministro, dois fatores: a necessidade de novas escolhas como imposição da realidade e a demanda da sociedade. "Na última pesquisa que registrou melhoria na avaliação do governo, dois itens foram os mais citados como motivos de satisfação, a saúde e a educação. Isso tem peso na cabeça do presidente."
Fato e ficção O psicanalista Contardo Calligaris captou - e expôs em artigo ontem na Folha de S. Paulo - o espírito do frenesi controlatório em cartaz.
Com acurada ironia, propõe a criação das Agências Nacionais dos Livros e dos Impressos e dos Discos e das Músicas.
A Anlivimp e a Andim teriam a função de orientar, fiscalizar e disciplinar a produção literária e musical, a fim de impedir que o elitismo, o mercantilismo e o entreguismo de gravadoras e editoras desvirtuem os verdadeiros valores da cultura nacional, segundo o manual do Estado-companheiro.
Vale a citação de um trecho da hipotética regulamentação: "Graças aos fundos arrecadados com impostos e multas, a Anlivimp financiará obras recusadas pelas editoras dinheiristas e cosmopolitas. Um poema de 48 mil versos em rima, escrito por um conhecido meu e engavetado pela ganância das editoras, será enfim apreciado. O poema é como a gente gosta: regionalista e educativo, pois trata de uma épica sertaneja para parar de fumar, O Cangaceiro de Aço Acabou seu Maço."
Calligaris foi ao ponto: certas coisas, só rindo.
Publicadoem: Fri, Aug 20 2004 11:06 AM
ELIANE CANTANHÊDE 20 08 2004 O passado e o futuro


BRASÍLIA - O arquiteto e professor Frank Svensson, que completa 70 anos em setembro, foi expulso da UnB em 1971 pelo famigerado decreto 477 -"o AI-5 das universidades". Depois de 18 anos entre Suécia, França, Angola e Argélia (neste caso envolvido com projetos do mestre Oscar Niemeyer), esse filho de suecos, pai de um baiano, finalmente voltou ao Brasil e a Brasília, onde mora placidamente até hoje. Na noite de quarta-feira, ele foi paraninfo da turma de Arquitetura e Urbanismo deste semestre na UnB. Quem foi humilhado há mais de 30 anos pelo poder do passado foi homenageado pelo poder do futuro. Chegou atrasado, pediu desculpas e fez um discurso sem gestos nem grandiloqüência, mas com o principal: conclamando os jovens formandos a jamais perderem de vista sua responsabilidade social. Um professor apaixonado, uma figura apaixonante. "Eu fui acusado de tentar organizar o Partido Comunista na UnB", disse-me. Espremendo os olhos azuis numa expressão sapeca, completou: "E estava mesmo!". Cabelos brancos, pele avermelhada adequada à imagem que se tem dos suecos no Brasil, o professor Frank é um bom exemplo de como foram duros os tempos no Brasil da ditadura militar. E de como a anistia, mesmo não sendo ampla, nem geral, nem irrestrita num primeiro momento, acabou serenando os ânimos e garantindo a transição tranqüila até se chegar à paz política de hoje. O primeiro projeto de anistia, imperfeito, foi aprovado sob aplausos, vaias e gritos de "o povo, unido, jamais será vencido", em 22 de agosto de 1979. Lá se vão 25 anos. A homenagem da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da UnB ao velho professor, portanto, vem em boa hora. Nunca é tarde (e nunca é demais) para reafirmar conquistas como direito, liberdade, justiça. Porque parece tudo tão distante, mas ao mesmo tempo tão inquietantemente perto. Votos de que os jovens do professor Svensson virem bons arquitetos. Mas sejam, sobretudo, bons cidadãos.
Publicadoem: Fri, Aug 20 2004 11:05 AM

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